Sá Júnior


Ao Vivo e a Cores

A solidez da mensagem poética desistimula minha dor e as possibilidades da poesia vencem meu insistente cansaço. A liquidez das palavras me prova que a poesia é uma coisa bem sólida. Poemas são náuseas cotidianas, engarrafamentos, greves, trágicas touradas de Espanha, afogados em Copacabana e em outras tantas partes do mundo. A gigantesca sede de vitória é muito mais que metafísica: engulo pílulas e pílulas do sucesso, assisto diuturnamente às coisas da tevê. Balizo meus passos e meus gestos ao padrão ideal da propaganda. Meus dedos tremulam no compasso das bandeiras das naves de guerra e em uníssono com os gritos das torcidas extáticas. Meu coração dispara com os beijos das novelas. Meu pensamento não precisa mais agir: rios de instruções fonéticas me chegam desordenadamente à porta. A hipnotizante velocidade urbana escapou dos olhos das ruas e eletriza a multidão disforme. A tecnologia tenta engavetar as palavras, mas sua liquidez escorre incontrolavelmente dos dedos, dos olhos, das privações do povo, das meretrizes com seus noturnos hematomas. A liquidez das palavras inunda avenidas, impulsiona multidões, impregnando nas coisas modernas o sopro e a necessária gravidez sonora do poema.


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