Ronaldo Cunha Lima

Conversando com meu pai

Na quietude d'aquela noite densa, reclamei numa saudade a presença do meu Pai, que há muito já morreu!... Sorumbático e só, fiquei na sala, sem ouvir de ninguém uma só fala: todos dormiam entregues a Morfeu. Continuei sozinho da vigília, contemplando a placidez da mobília, num silêncio quase que perfeito; quebrando apenas com o gemer da rede, as pancadas do relógio na parede e o pulsar do coração dentro do peito. De repente, coberta com um véu, uma nuvem nascia lá do céu, na sala onde eu estava, caí... era algo de espanto realmente dissipa-se a nuvem lentamente e vai surgindo a imagem do meu pai. Boa noite, meu filho! E se assusta? Tenha mais um pouco de calma, porque custa novamente voltar por este trilho: Eu rompi os umbrais da eternidade para, em braços de amor e de saudade, conversar com você, filho querido!... Tenho assistido todos os seus passos, suas lutas, vitórias e fracassos, em ânsias que não posso mais contê-las: eu lhe assisto, meu filho, todo dia, em suas vitórias choro de alegria e as lágrimas transformam-se em estrelas. Tenho visto também seus sofrimentos suas angústias, dores e tormentos e esperanças que foram já frustradas; tenho visto, meu filho, da eternidade, o desencanto de sua mocidade e o pranto de suas madrugadas. Compreendo, também, sua tristeza ante a ânsia que traz na alma presa de adejar cortando monte e serra; sua ânsia de voar, cantando notas, misturar seu vôo ao das gaivotas, que beijam os céus sem deixar a terra. Mas, ao lado dos atos de grandeza, você me causa, filho, também tristeza, em desgosto minh'alma já flutua: Ontem, porque não estava pronta a ceia, prá sua mãe você fez cara feia, bateu a porta e foi jantar na rua. Você não soube, meu filho, e no entanto, ela caiu prostrada em um pranto soluçando seu íntimo desgosto. Nunca mais, meu filho, isto faça, pois para o filho não há maior desgraça que em sua mãe deixar rugas no rosto. Nunca mais a ofenda, nem de leve!... O seu amor a ele aos céus eleve e escute sempre, sempre o que ela diz. Peça a Deus para durar sua existência e, se assim fizer de consciência, você, na vida, tem que ser feliz. Conduza-se na vida com altivez, fazendo da probidade, da honradez, para você o seu forte brasão; aprofunde-se, meu filho, no estudo, fazendo da justiça o seu escudo, amando o povo como ao seu irmão. Continue no trabalho a que se entrega sem temer obstáculo nem refrega, pois com a vitória sempre você vai, e se assim fizer, querido filho, sua vida há de ser toda de brilho, e honrará o nome de seu pai. E nisso a nuvem comoventemente, aos poucos se junta novamente, envolvendo meu pai num denso véu; e num olhar meigo e bem sereno, dirige para mim um triste aceno e vai de novo subindo para o céu! E eu fiquei chorando de saudade, alimentando aquela ansiedade, sem poder abrandá-la. Que castigo! Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia, esperando que meu Pai rompa a distância, prá vir de novo conversar comigo.


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Remetido por Flávio Sátiro Fernades Filho

Nota :
este poema está pode ser encontrado no Compact Disc intitulado
50 CANÇÕES DE AMOR E UM POEMA DE ESPERA, recitados
pelo próprio Ronaldo Cunha Lima.