R. B. Sotero

Os Bastardos

Alta noite e eu andava descontente Pela cidade horrivelmente feia; Meia noite ou meia noite e meia Um relógio bateu sinistramente. Os meus passos rebeldes pela rua, Assim como se fosse de animal, Reboavam num silêncio sepulcral, Enquanto lá no céu surgia a lua, Que mais se parecia uma caveira Amortalhando com a luz mortiça Em cada escura esquina uma carniça Que apodrecia até virar poeira. Exalava na podre madrugada Um bafio a cortar o meu pulmão Do lixo revirado por um cão, Que farejava à beira da calçada. A cidade dormia convulsiva, E só eu, como um verme solitário, Ia seguindo meu itinerário Com uma ansiedade compulsiva. A rua parecia um cemitério, E toda casa era uma sepultura Onde jazia cada criatura Amortalhada num mortal mistério; Mas eu seguia pela rua torta, Escutando as pancadas do meu peito Que de tudo pulsava insatisfeito Por entre as casas da cidade morta. De repente, porém, um burburinho: Era uma casa de carnal comércio, Que me deixou mais triste que Propércio, E eu não pude seguir o meu caminho. Era de ser o foco, com certeza, De toda podridão da vil cidade Onde os homens em animalidade, No cio, como um bicho atrás da presa, Vinham à tentação de tais pecados E assim como um bando de possessos, Na fúria mais lasciva dos excessos, Contorciam-se como invertebrados. E cada um era um pai irresponsável Que outro filho gerava ao desconforto, E eu que observava tudo aquilo torto, Achava aquilo tudo abominável. Uma calça esquecida pelo dono Sobre a saia da moça quase virgem Provava todo mal que dava origem À criança que vive no abandono. E na fornicação de tal orgia, Quem sabe um deles cometesse incesto E fosse ao leito, sem nenhum protesto, Da própria filha que desconhecia. Cantava o galo pela noite afora; Mas na luxúria de Sardanapalo Não respeitavam o cantar do galo, Nem davam conta do romper da Aurora. E às pancadas do sino da matriz, Lembraram-se de ir a santa missa, E cada qual com a consciência omissa De ter gerado mais um infeliz. Era quase manhã e a contragosto Um tardio que vinha à socapa, Tentava se esconder atrás da capa; Mas era tarde pra cobrir o rosto.


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