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			Rodrigo de Almeida 
   
			Vulcão sempre aceso 
			
 
 
			
      
			24.01.1998
 
 
			Os erros, os 
			acertos, os exageros e as reflexões que suscita a biografia Glauber 
			Rocha, esse vulcão, escrita por um amigo do cineasta, João Carlos 
			Teixeira Gomes. 
 Glauber Rocha, esse vulcão - João Carlos Teixeira Gomes; Nova 
			Fronteira; 640 páginas; R$ 34,00
 
 
			Há um certo tempo, o cineasta francês 
			Jean-Luc Godard dirigiu uma série para a televisão, Grandeza e 
			decadência de um pequeno comércio do cinema. Por um longo momento, 
			desempregados, aprendizes de figurantes do cinema, tentavam 
			reconstituir em uma ronda interminável, fragmento por fragmento, uma 
			frase de Faulkner que diz que se deve proteger não os vivos contra 
			os mortos, mas os mortos contra os vivos, contra a angústia e a 
			desumanidade da raça humana. O cineasta Glauber Rocha considerava 
			Faulkner um grande autor do cinema.  
			Essa lembrança da produção de Godard e 
			a relação de Faulkner com Glauber servem como introdução a uma 
			curiosidade, que deve servir de questionamento para muita gente, 
			"amigos e inimigos" do baiano. Parece extremamente curioso, afinal, 
			o magnetismo que ronda alguns personagens de nossa história 
			cultural, sendo Glauber Rocha um dos mais bem acabados desses 
			personagens: falecido há quase vinte anos, continua sempre em pauta. 
			Esse magnetismo e essa força toda se percebe pela constante produção 
			de pesquisas, textos inéditos, ensaios, reunião de cartas, análises 
			críticas e biografias, mais ou menos pretensiosas.  
			Mais um exemplo dessa afirmação foi o 
			recente lançamento de Glauber Rocha, esse vulcão, biografia assinada 
			pelo jornalista baiano e ex-amigo de Glauber, João Carlos Teixeira 
			Gomes. Um livro com acertos e defeitos, diga-se. Vale dizer que a 
			cada publicação sobre o autor de Terra em Transe, a grande questão é 
			saber por qual caminho seu autor seguiu e que novidade apresenta. 
			Defendida com alarde pelo próprio João Carlos Teixeira Gomes como a 
			mais completa biografia publicada de Glauber, tem uma proposta 
			tentadora: "mostrar o homem: nas suas iniciativas, no seu 
			quotidiano, hábitos pessoais, grandezas e fragilidades". Engana-se, 
			porém, quem aguarda uma biografia cheia de fofocas, surpresas, 
			novidades quentes e polêmicas. Ponto para o livro. O autor também 
			procurou fazer uma grande análise da linguagem cinematográfica de 
			Glauber, seus conceitos teóricos, suas idéias e pensamentos, 
			tornando a obra um interessante caminho para quem deseja se iniciar 
			no assunto.  
			O mérito do livro, portanto, é que, 
			pela proximidade do autor com o biografado e pela extensa e 
			meticulosa pesquisa, a proposta de "mostrar o homem" é alcançada; 
			pelo cuidado ético que teve e pelo caminho editorial seguido, João 
			Carlos Teixeira Gomes foge do caráter polêmico que marca toda nova 
			"descoberta"' sobre o cineasta; Gomes também tenta quebrar alguns 
			mitos em passagens da vida de Glauber. Mais de 600 páginas, então, 
			servem como berço de uma pesquisa apaixonada, uma espécie de 
			homenagem ao mentor do Cinema Novo brasileiro.  
			Mas nem tudo é mérito nesta biografia. 
			O que João Carlos Teixeira Gomes ganhou numa grande, profunda e 
			brasileiríssima história para contar, perdeu na sua estrutura 
			narrativa. Não seria errado, claro, escolher um caminho diferente do 
			meramente cronológico. Foi o que o autor fez. Porém, ao fazer essa 
			escolha (fugir do limite cronológico), Gomes tornou seu livro em 
			alguns momentos repetitivo e força o leitor a "juntar certas peças". 
			Exemplos: no início, ainda falando da infância de Glauber em Vitória 
			da Conquista, Teixeira Gomes já entrava numa discussão sobre 
			Barravento; ao contar suas alegrias e agruras com as mulheres, o 
			autor da biografia apontava detalhes da morte do baiano, detalhes 
			estes de certa forma importantes mas que perdem sua força por 
			figurarem em um capítulo sobre "mulheres". Não torna a opção 
			"errada"', repito, mas parece revelar uma necessidade didática que 
			provoca o efeito contrário: é preciso juntar as peças de como 
			Glauber estava em determinado momento. Num capítulo você vai 
			encontrar a sua namorada; no outro, o seu pensamento diante das 
			esquerdas e dos militares; num outro, seus projetos 
			cinematográficos; num outro, a relação com os amigos; e por aí vai.
			 
			Um outro problema é que o livro não 
			traz tantos depoimentos exclusivos assim como se faria supor. 
			Percebe-se, sim, muitas citações de outros livros, como os de Paulo 
			César Saraceni, Sylvie Pierre, Raquel Gerber, Odete Lara, 
			Jean-Claude Bernardert, que de uma forma ou de outra contemplam os 
			objetivos de Teixeira Gomes. Além disso, muitos trechos foram 
			contemplados por Ivana Bentes em seu Cartas ao Mundo. Ainda: a sua 
			escrita, exagerada em algumas frases, provoca uma desconfiança. 
			Frases que beiram a paixonite mais equivocada que é tão comum quando 
			o assunto a Glauber: cheias de adjetivos rasgados. Por fim, o autor 
			aproveita a trajetória de Glauber para costurá-la com elocubrações 
			sobre Freud e desfiar seu conhecimento literário.  
			Esses "desvios"', porém, perdem e 
			muito para certas discussões que a leitura do livro pode suscitar. 
			Desde a Geração Mapa, da qual Glauber participou ainda jovem, até 
			uma reflexão aprofundada que o baiano sempre levantou sobre a 
			cultura e a história brasileira, suas relações com a América Latina, 
			o conceito de "nacional", a hipocrisia e o cinema, claro, entre 
			outros assuntos. Reflexões impossíveis de caberem aqui. Está aí a 
			importância, pois, do livro Glauber Rocha, esse vulcão. O resto é 
			polêmica. 
 
			  
			
			 
			Leia João Carlos 
			Teixeira Gomes 
			
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