Antero de Quental

Pepa

Dá-me pois olhos e lábios; Da-me os seios, da-me os bracos; Da-me a garganta de lírio; Dá-me beijos, dá-me abracos! Empresta-me a voz ingênua Para eu com ela orar A oração de meus cantos De teu seio no altar! Empresta-me os pés, gazela, Para que eu possa correr O vasto mundo que se abre Num teu rir, num teu dizer! Presta-me a tua inocência, Para eu ir ao ceu voar... Mas acende cá teus olhos Para que eu possa voltar! Por Deus to peço, senhora, Que tu mo queiras fazer; Da-me os cílios de teus olhos Para eu adormecer; Por que, enquanto os tens abertos, Sempre para aqui a olhar, Nao posso fechar os meus, E sempre estou a acordar! Pela Santa-Virgem peço Que tu me queiras sorrir; Por que eu tenho um lírio d'ouro Há três anos por abrir, E, se Ihe deres um riso, Há-de cuidar que e a aurora... E talvez que o lírio se abra, Talvez que se abra nessa hora! Por Alá, minha palmeira! Quando ao sol me for deitar, Faze sombra do meu lado... Por que eu quero-te abracar! D'amor te requeiro, ondina, Quando te fores a erguer, Ver-te no espelho das fontes... Por que eu quero-te beber!


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