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Jornal do Conto

 

 

Paulo de Toledo


 


O que tinha qualidades



 

O mundo é para quem nasce para o conquistar e não para quem sonha que pode conquistá-lo.

Ele repetia isso para si mesmo, como uma oração, um slogan, enquanto sonhava em fugir das estatísticas que a vida pobre no Grajaú lhe impunha.

Para alcançar seus objetivos, entregou-se aos estudos, evitou o contato com a “pobretada” do bairro, enclausurou-se em seu sonho.

Depois de conseguir entrar para o curso de Publicidade da USP (a relação candidato-vaga era 80-1), prestou concurso para estagiário da agência de publicidade Y-Brazil (no qual concorriam 150 candidatos) e também passou.

Agora, prestes a terminar seu período de estágio na Y-Brazil, ele está no metrô (acabara de ver o Tricolor ser goleado em pleno Morumbi), louco por não poder fumar seu charuto e tendo que ter uma “sacada” genial para um comercial de sapato feminino, caso contrário, perderia a chance de ser contratado pela maior agência do país.

Em pé, de cabeça baixa, “perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu”, irritadíssimo (Porra de metrô lotado!), e, pior, sem nenhuma grande idéia, ele observa as pessoas e repara que todas fitam o chão. E percebe que ele, entretido com o Sinatra cantando “I did it my way”, também fixava seus olhos naquela pletora de pés nervosos e cansados.

Caralho, como eu não pensei nisso antes! É isso aí!

Take mostra um vagão de metrô lotado. Todas as pessoas olham para o chão.

Take mostra os pés das pessoas... descalços. Todos estão descalços, os rostos (closes) estão tristes.

Take mostra o trem parando e as pessoas saindo do vagão.

Take mostra uma “loira”, totalmente nua, parecendo uma sereia, com os cabelos sobre os seios, sentada de pernas cruzadas dentro do vagão (vê-se um pedaço do dourado monte de vênus).

Take mostra a porta do vagão se abrindo. Entra um homem, alto, belo, de roupa de gala, um “príncipe”.

Take mostra o “príncipe” indo na direção da “loira” com o sapatinho da marca SERENA nas mãos. Ele se ajoelha para colocar o sapato no pé dela (pequeno, 33) e diz:

Tio, compra uma bala.

Quê?!

Compra uma bala, tio.

Porra, moleque, caralho, que sus...

Take mostra o “moleque” melequento e emporcalhado entrando no vagão, indo na direção da mulher, ajoelhando-se e colocando no pé esquerdo da “loira” o SERENA nº 33.

Take mostra a “loira” dando um beijo no “moleque” (close no lábio dela tocando o rosto sujo do maltrapilho) e ele se transforma em...

A sirene avisa (piiiiiiii): estação final.