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Jornal do Conto

 

 

Paulo de Toledo


 


A revanche



 

Hoje, porque Atena, minha mulher, teve que dar uma palestra na universidade onde trabalha, saio mais cedo da academia de boxe para buscar meu filho na escola. Ele, com certeza, ficará feliz com a surpresa, já que ele e a mãe, impaciente com a sua agressividade pueril, sempre acabam brigando no caminho para a casa.

Como sempre, a saída do colégio, a algazarra da molecada, e, de repente, surpreendentemente, o cascudo. O som abafado, como o de um corpo caído sobre um ringue num ginásio vazio, ecoou por alguns centésimos de segundo na minha cabeça. E, então, os risos. Não apenas alegres, mas, sobretudo, zombeteiros: os risos de Jorjão e de seus dois amigos. Jorjão, um menino mulato como eu, era duas séries mais velho, uns vinte centímetros mais alto e uns vinte quilos mais pesado do que eu.

Daqui a pouco, meu filho sairá da escola no meio da multidão liliputiana e, quando me vir, surpreso por estar esperando a sua mãe e não eu, virá correndo me abraçar. Mas, enquanto ele não sai da escola, o Jorjão, agora uns vinte centímetros mais baixo, uns vinte quilos mais leve, com muito menos cabelo do que eu, usando óculos bifocais, com uma barriga de quem treina diariamente zapping televisivo, também aguarda seu filho na porta da escola.

O toque de saída para os alunos soa, os portões abrem-se e, em poucos segundos, a rua fica cheia de risos barulhentos.

Meu filho, Márcio, surge no portão da escola dando um “fight” (como ele gosta de dizer) num dos seus amiguinhos, que logo depois descubro ser filho do Jorjão.

Vou na direção dos moleques. O Jorjão também. Alcançamos as crianças, eu e ele, quase ao mesmo tempo. Meu filho me vê e pula sobre mim. Hi, dad! O Jorjão abraça seu filho e olha pra mim, curioso.

Pai, esse é o pai do Jorginho, o seu Jorge.

O Jorjão me estende a mão. Hesito por alguns milésimos de segundo em cumprimentá-lo, tremo por dentro, suo nas mãos, mas, por fim: Como vai? Tudo bem. Tu não é o Cássio, do Colégio Espartano? Sou, sim. E você é o Jorjão, né? Isso mesmo! Tu ainda se lembra de mim? Tu era tão moleque naquela época, era duas séries antes de mim, não? Era, sim. Mais baixo também, mais leve, mais fraco...

E o som abafado do cascudo ressoa como um gongo anunciando o fim do assalto.

O pai do Jorginho olha pra mim, entre assustado e confuso, enquanto eu e o Marcinho vamos em direção ao meu carro estacionado “at the corner” (como diria o Marcinho), rindo muito da brincadeira que eu tinha acabado de fazer com meu velho amiguinho de escola.