José Pacheco



Grande Debate de Lampião com São Pedro

Remetido por
Luiz Carlos De Carvalho - lical@unix.horizontes.com.br
Para me certificar Da morte de Lampião Arrumei o matulão E andei p’ra me acabar Não escapou-me um lugar Do Brasil ao Estrangeiro Percorri o mundo inteiro Procurando a realeza Até que tive a certeza Da morte do Cangaceiro. Andei nas areias gordas Pilão sem boca e macumba As ribeiras de cazumba Estas eu remechi todas Passei nas várzea das poudras Fui à baixa da folia Levei uma companhia Deixei no bico da pata Passei nas brechas da gata Dormi na boca da gia. Fui à Serra do Cambão Desci na jumenta prenha Mandei Chico Tomás Lenha No Engenho de Felipão Pindoba de Damião Fica perto da Furada Lá deixei um camarada Caminhei mais légua Dormi na baixa da égua Perto da Tábua Lascada Depois eu fui à Quinzanga O Engenho de Seu Melo Subi para o Birimbelo Cheguei na Chã da Munganga Treis cassetes de Zé Panga Já fica do outro lado Fui ao Cambito Quebrado Do Rodete de Pinheiro Deixei o meu companheiro Na bargada dum sevado Passei na Chã da Risada Desci na Fazenda Mole Fui à Usina do Fole De Bertolina Pelada Segui pela mesma estrada Do alto da geringonça Do tapado do Mendonça Puxei para virador E mandei um portador Dormir na Boca da Onça E atravessei os mares Montado em um planeta Que ao som de uma trombeta Vinha descendo dos ares Visitando aqueles lares Terra de santos e fadas Naquela mesma jornada Encostei no arrebol Cheguei na Terra do Sol Na Casa da Madrugada Ela me deu um abraço E prestou-me bem atenção Mandou chamar o verão No reino do mestre Espaço Depois chegou o mormaço E saiu muito vexado Porque estava ocupado No palácio da manhã Tratando da sua irmã Mulher do vento gelado Continuei a viagem Com boa capa de luva Porque a terra é de chuva E mora Dona Friagem Seu palácio era na margem Do rio Major Relento Descansei no aposento Da velha seca puxada Nesta noite a trovoada Deu uma surra no vento No reino da Branca Aurora encontrei a brisa mansa que vinha trazer lembrança À princesa Deusa Flora A neve aquela hora Em sua alcova dormia Depois o sol lhe surgia Desfazer-lhe do regaço Enquanto pelo espaço A neve branca corria P’ra saber de Lampião Qual foi a parada sua Subi à terra de lua Escanchado num trovão Encontrei um ancião Velho, barbado e corcundo Que vinha do fim do mundo Me viu e foi me contando Que viu São Pedro açoitando Um epírito vagabundo Chegou no céu, Lampião A porta estava fechada Ele subiu a calçada Ali bateu com a mão Ninguém lhe deu atenção Ele tornou a bater Ouviu São Pedro dizer Demore-se lá. Quem é? Estou tomando café Depois vou receber São Pedro depois da janta Gritou por Santa Zulmira: -Traz o cigarro caipira Acendeu no de São Pranta Apertou o nó da manta Vestiu a casaca e veio Abriu a porta do meio Falando até agastado: -Triste do homem empregado Que só lhe chega aperreio Abriu na frente o portão Ficou na trave escorado Branco da cor de um finado Quando avistou Lampião Mas com a trave na mão Não temeu de lhe falar E disse: -Aqui não se dar Aposento a gente mal Senão que entrar no pau Acho bom se retirar Lampião lhe respondeu : Não venha com seu insulto Você é um santo bruto Que ofensa lhe fiz eu? E mesmo o céu não é seu Você também é mandado Portanto esteja avisado Se não deixar eu entrar Nós vamos experimentar Quem é que tem bom guardado Você não entre atrevido São Pedro lhe disse assim : Ingresso a quem é ruim Nesta porta é proibido Não sabes que sois bandido Roubador da vida humana Alma ferina e tirana Coração cruel perverso! Como queres um ingresso Nesta mansão soberana -É certo fui bandido Perverso, estrompa, voraz Porém, quem foi não é mais É mesmo que não ter sido Mesmo eu sou garantido Por um provérbio que tenho Escrito sobre um desenho Por pessoas elevadas À qual diz: - Águas passadas Não dão voltas a meu engenho — Não quero articulação Você aqui nada tem — É como você também Lhe respondeu Lampião É porque do seu patrão Você transmite um mandado Eu tenho visto empregado Sair do trabalho expulso Sem direção, sem ricurso Por qualquer trabalho errado Ali falou São Bernardo Que também vinha chegando — Pedro você está brincando Com este cabra safado? Vá me chamar São Ricardo E São Francisco da Penha Diga a São Tomé que venha E chame São Juvenal Traga um pau do quintal E uma lasca de lenha São Pedro ergueu-se nos pés E disse de cara feia: — Pra dar num cabra de peia Não precisa oito nem dez E gritou por São Moisés: — Vamos dar no bandoleiro Saltou no meio do terreiro Até preparar a faca Gritando : - Quebra uma estaca Arranque um pau do chiqueiro São Paulo estava no quinta Mas ouvindo a discussão Apertou o cinturão E botou a faca na cinta Encontrou Santa Jacinta Que lá vinha no caminho E disse a Santo Agostinho Arretorcendo o bigode: Arreda que tu não pode Eu pego o cabra sozinho Porém antes de pegar Desceu um grande corisco Jogado por São Francisco Da porta do quarto andar Num tremendo ribombar Um trovão também desceu O espaço escureceu Veio um forte pé-de-vento Lampião neste momento Dali desapareceu Poeta tem liberdade Sagrado dom da Natura Conforme a literatura Escreve o que tem vontade Também a propriedade Precisa o dono ter Pelo menos vou dizer Se meu espírito não mente Poeta também é gente Também precisa comer


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