Orlando Neves


1943

Que mortos chegam como sinos a dobrar a silêncio na praia? Que meigo cão morde meus olhos e os cega ao sol? Ouço a guerra lá fora despedaçar o som ouço meu tio gemendo de raiva de ficar ouço a morte nas câmaras dentro de casa ouço meu avô gritando com as mãos. Que amoras colho em Viseu sangrentas como coxas de mulher? Que tempo cria meu tempo na juventude de estar velho? Vejo aquilino dar-me a mão grossa vejo minha avó mordendo saudades vejo a noite como uma farda vejo as unhas sujas de sardinhas. Que tenho eu a ver comigo se sou pêssego e meus pais sofrem? Que fogo queima este lixo asa de cadáver?


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