Noel Nascimento

Astrovate

Fazedor de artes, no tempo dos aeroplanos tornei-me um astrovate. Em frente à igrejinha ao lado da escola, haviam arrancado o pinheiro — uma Torre de Babel vegetal — antes que alcançara o céu. Fora lá a plataforma (largo onde atracavam os circos) dos meus vôos iniciais. Eu subia as ruas do arco-íris no meu carrinho. Na pipa, me levava o vento até o fim do carretel. No balão, seguia com os da Via Láctea, tocha — o coração. Comigo no clarão do lombo corcoveava no ar o boitatá. Espelhavam um céu estrelado os campos com o lume dos pirilampos. Eu deslizava de patins pelas nuvens, e meu pai ia me buscar com a vara de marmelo. Nas asas de uma borboleta, vi a Terra multicor. Nos Andes eram as asa de um condor, e sobre o Oriente apenas um tapete voador. Antes, muito antes dos astronautas dei uma volta pelo universo na cauda de um cometa. Com tecnologia de brinquedo inventei uma astronave, aprendi a dirigi-la com um bando de andorinhas. No primeiro lançamento houve explosão na plataforma: nove soldadinhos de chumbo morreram. Num passe de poesia, batuta, pena ou pincel fazem o prodígio: vôo pelas pautas de compasso em compasso: pelas tintas, pelas palavras. Viajo entre contos e lendas. Tudo é real: o País de Alice, deslumbra-me o dos sacis-pererês. A Terra viajo tão rápido que a Itália parece a bota de sete léguas do gigante. Em órbita flutua, mas dispara além da lua; aprendiz de feiticeiro, não sei como pará-la. Quanto mais se distancia, surge mais perto como se a saudade a impelira. Aumenta o nariz de Pinóquio com a mentira, acorda a Bela Adormecida com um beijo, uma bruxa muda gente em sapo ou serpente, o astrovate faz a sua nave um condão de versos. Com a fuselagem a coruscar nas entrelinhas das estrelas, o poema peregrina anunciando a revolução da Fraternidade para salvar a vida na Terra com os encantos das historinhas.


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