Joaquim Namorado

Manhã de Abril

Olho o céu nas poças da rua que a chuva de ontem deixou, como pássaros verdes as primeiras folhas empoleiram-se nos ramos enegrecidos a do inverno e o sol entorna sobre o casario miserável uma chuva de falso oiro. Que raiva me dá... Foi hoje a enterrar aquela miúda loura que via brincar na rua com as tranças apertadas nos laços vermelhos — morressem antes os velhos que da vida nada esperam, já sem amor, já sem esperança, roídos de chagas e da lepra dos dias. que não morresse ninguém, valá! mas ela... levaram-lhe flores os outros meninos da rua, iam contentes como para uma festa, e a mãe atrás do caixão chorando, e as folhas verdes e as flores nos canteiros e nas janelas como se florir fosse uma coisa natural e inevitável e o velho mendigo cego estendendo a mão, e a gente educada tirando o chapéu por hábito... Que raiva me dá a Primavera sobre a dor do Mundo!


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