Mário Pederneiras


Madrigal

Teu olhar é tão manso, Tão de ardências febris desprevenido e leigo, Tão suave, tão bom, tão cheio de descanso; Tão sereno é teu beijo, Tão leve, tão sutil o teu próprio desejo; Tudo Em ti é tão meigo. Sentimentos e Carne, Olhar, Voz e Carinhos. Que muita vez sentindo, Junto de mim o teu aspecto lindo, Que meu amor intenso, Indômito, açulado, espera e espreita, Penso Que tu, Querida, tu, és toda feita De arminhos E veludo. Quer num suave enleio Sentimental, De idílio e de bondade, Onde somente se destaque e arda De ser querida a íntima alegria; Quer na intimidade Dominadora e treda, De um lascivo coleio, Quase de invertebrada e quase de oriental, És a mesma de sempre, aromada e macia, Oh! meu anjo de guarda! Oh! minha linda Salomé de seda! Um lago, Sem ritmos agitados, De água de brilho de aço, Clara, fresca, parada, Sob a seda de um Céu, à noite, em pleno Outono; Um recanto de terra estéril, isolada, Cheia de sugestões, de sossego e de sono, De distância e de espaço, Não tem a penugem do afago Deste afago normal dos teus olhos dourados. Estas longas arcadas solitárias, De antigas abadias Largas, sonoras e sombrias E legendárias, Da simbolizarão do sossego e da paz, Da vida que repousa, A fugir do rumor que atormenta e que infesta O caminho vulgar que a vida humana pousa, Tem qualquer coisa Da honesta mansidão da tu'Alma de honesta. Quando mais para a Terra teu amor dirijo E o quero mais humano E exijo Que meu desejo dessedentes Em carícias mais fortes e mais francas E te imploro O sabor aromal do teu beijo sonoro, Não me ficam nos lábios Acídulos ressábios Da ânsia sensual de onde a Volúpia espouca... Só me fica na boca A macia impressão de que beijo asas brancas.


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