Luiz Alberto Moniz Bandeira

 

 

Uma coroa para Margot

 

Sonetos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Luiz Alberto Moniz Bandeira

 

 

Uma coroa para Margot

 

Sonetos

 

 

 

 

 

Capa de Calasans Neto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2000

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um soneto – como qualquer poesia – não se explica. Deve transmitir sensações e emoções, através das palavras, das imagens que elas sugerem, assim como a pintura música o faz através das cores e formas, e a música através do som e do ritmo. Entretanto, algumas informações aqui se fazem necessárias. Heidelberg é uma pequena cidade, com cerca de 140.000 habitantes, cercada por montanhas e banhada pelo Neckar, afluente do Reno. No castelo que se ergue sobre a encosta da montanha, reuniam-se os príncipes-eleitores do Palatinado para escolher o imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Fundada em 1386, sua universidade, onde grandes filósofos ensinaram,  é a mais antiga da Alemanha. E uma canção popular, muito famosa – Ich habe mein Herz in Heidelberg verloren (Eu perdi meu coração em Heidelberg) - consagrou a crença de que quem vai a Heidelberg se enamora, perde seu coração.

Minha ligação com essa cidade é ancestral.  Em 1851, meu meu tio trisavô, Luiz Moniz Barreto de Aragão, aos 19 anos de idade, lá faleceu, vitimado por uma epidemia de cólera. Meu bisavô paterno e seus irmãos estudaram, na Universidade de Heidelberg, assim como seus primos, na segunda metade do século XIX. E a Heidelberg, que visitei pela primeira vez em 1960, voltei, no inverno de 1981/82, como professor visitante no Instituto de Ciência Política da Universidade, onde conheci Margot.

Para ela, essa coroa de sonetos.

 

                                                 Luiz Alberto Moniz Bandeira

                                                    

                                                 St. Leon, inverno de 2001/2000

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I

 

 

 

Entre o castelo e a neve na montanha,

vi tua  imagem de manhã madura,

o azul vertendo sobre tua alvura,

à luz do sol que os campos brancos banha.

 

A cicatriz dos tempos lá perdura

e tua imagem a paisagem entranha,

contrastando a beleza morta e estranha

que o castelo arruinado configura.

 

Sobre ti resvalei e assim, depois,

o intenso amor, que mesmo ao frio se ergue,

desvaneceu o espaço entre nós dois.

 

Que meu corpo, que sobre o teu se vergue,

viva em teu ventre para sempre, pois

perdi meu coração em Heidelberg.

 

 

II

 

 

Perdi  meu coração em Heidelberg,

onde enterrei o meu passado morto,

ao arribar em ti, destino e porto,

e em teu corpo queimando achar  albergue.

 

Desde então, sem que nada mais enxergue,

em teu desenho e cores todo absorto,

tenho em tua beleza esse conforto

que dentre os anos sempre me reergue

 

E agora que entardeço vou compor

estes sonetos  modelados pelos

contornos do teu corpo aberto em flor,

 

quando  em teus olhos  - só os meus a vê-los -

o céu fundiu-se, a esparramar a cor,

e o sol se dissolveu nos teus cabelos.

 

 

 

 

III

 

 

E o sol se dissolveu nos teus cabelos,

na aurora de teus lábios despontando

em sorriso de amor, sorriso brando,

que me encantou e me inspirou desvelos.

 

Tantos anos (e não pude detê-los)

já se passaram, estações mudando,

e continuo a amar-te como quando

tu  cedeste primeiro aos meus apelos.

 

Quanto desejo, quando estive ausente,

quanto senti de ti necessidade,

o calor do teu corpo tão candente.

 

E nesse encantamento, a eternidade

era a dor do desejo permanente,

o amor tomando  a forma de saudade

 

 

IV

 

 

O amor tomando a forma de saudade

era tua miragem que surgia

à noite, mesmo em plena luz do dia,

quer fosse escuro, quer na claridade.

 

Agarrar-te tentei, senti vontade,

porém, tua miragem, quando eu via,

toda vez se afastava, fugidia,

deixando-me a sofrer na soledade.

 

Tanta distância tive de transpor

para tocar teu peito com meu peito

e contemplar então o resplendor

 

do teu corpo tão níveo, de tal jeito,

que tu te confundias com a cor

das espumas flutuando sobre o leito.

 

 

 

 

 

V

 

 

Das espumas flutuando sobre o leito

teu vulto de cristal e madrugada

emergiu, a assumir feitio de fada,

que nos meus braços com ardor estreito.

 

A ti me curvo, a ti estou sujeito,

minha paixão é sempre renovada,

e, quanto mais te vejo, assim amada,

mais te desejo, sempre insatisfeito.

 

Esse desejo, que perdura, há-de

perdurar  sempre; e sempre, à procura

do tempo que se esvai na eternidade,

 

tento retê-lo na memória escura;

porém, se amor é feito de saudade,

a saudade é amor que só tortura.

 

 

VI

 

 

A saudade é amor que só tortura,

é todo o tempo que se faz passado,

mas se repete, quando recordado,

com um misto de travo e de ternura.

 

O teu amor foi a maior ventura,

que definiu e realizou meu fado.

E estando em teu amor tanto empregado,

o fluir do meu tempo me amargura.

 

Cada instante de amor saudade gera,

pois amar é morrer a cada instante

que passa e que, passando, desespera.

 

Esse devir, devir tão angustiante,

sempre ressinto na contínua espera

de um instante de amor, no amor constante.

 

 

 

 

 

 

 

VII

 

 

De um instante de amor, no amor constante,

não só recordação agora resta;

quem nos sucederá teu ventre gesta,

perpetuando do amor aquele instante.

 

Feita de tanto amor, amor triunfante,

essa criatura, que esse amor atesta

e glorifica, continuando a gesta,

a permanência em vida nos garante.

 

É belo o amor que a vida reproduz;

amalgamados  fomos num só ser

que brotou da semente que te pus.

 

As gerações nos hão-de suceder,

mas enquanto houver na terra luz,

mesmo morrendo, assim vamos viver.

 

 

VIII

 

 

Mesmo morrendo, assim vamos viver,

e viver para sempre a  antinomia,

como um ser uno, que no amor se cria,

e no tempo jamais se vai romper.

 

Esse ser, eco do meu  próprio ser,

é teu ser que também se evidencia,

superando a matéria que cindia

nossos seres até te conhecer.

 

Eu estava a te amar predestinado,

com esse amor intenso e sempiterno

que foi com toda a força revelado,

 

quando te dei aquele beijo terno,

quando te amei e tu me hás amado,

enquanto a neve embranquecia o inverno.

 

 

 

 

 

 

 

IX

 

 

Enquanto a neve embranquecia o inverno,

foste tu que trouxeste a primavera,

e não foi nenhum sonho nem quimera

sentir no amor tanto calor interno.

 

Tanto calor senti e aqui externo

o sentimento que ele ainda gera,

pois te amo tanto, tanto, que quisera

como indivíduo ser também eterno.

 

Há muitos anos temos convivência,

há tantos anos juntos,  mas um dia

sentirás no teu corpo minha ausência.

 

E diante do futuro que angustia,

ao esvair-se o tempo  e a existência,

toma o passado forma de utopia.

 

 

X

 

 

Toma o passado forma de utopia,

quando o futuro  já se faz perverso

e não permite nada ver diverso

da morte que na vida se anuncia.

 

A busca do passado é que alivia

e tento resgatar em cada verso

reminiscências em que estou imerso

e que me causam tanta nostalgia.

 

Presente não existe. É tão fugaz

esse devir constante e permanente

que logo no passado se desfaz.

 

O tempo escorre, flui, continuamente,

torna o presente no passado, mas

o passado revive no presente.

 

 

 

 

 

 

XI

 

 

O passado revive no presente,

por debaixo da neve cresce a flora,

a noite avança, aproximando a aurora,

nada no tempo surge de repente.

 

Sou de outras eras um remanescente,

um cavaleiro andante, como outrora,

e que por ti se bate, mesmo agora,

quando da idade o corpo se ressente.

 

Em muitos séculos meu ser divaga,

o amor por ti as gerações travessa

e na memória nunca mais se apaga.

 

E assim mais uma vez te encontro, e nessa

existência retomo a mesma saga,

a saga em que meu ser ao teu regressa.

 

 

XII

 

 

A saga em que meu ser ao teu regressa

nestes versos antigos eu decanto,

onde o Neckar aflui ao Reno, enquanto

teu corpo toda a natureza expressa.

 

O Reno corre sem que nada o impeça,

entre  rochedos serpenteia, e o canto

de Loreley ressoa, com encanto

tal que fascina e atrai, e nunca cessa.

 

Segue o rio, no vale, entre teus seios,

onde guardas do Reno todo o ouro,

disposta a defendê-lo sem receios.

 

És tu mesma, porém, esse tesouro,

com teus olhos de céu e mar tão cheios,

o corpo de luar, cabelo louro.

 

 

 

 

 

 

 

XIII

 

 

O corpo de luar, cabelo louro,

amor, beleza, em suas formas puras,

és tu, sim, que com Frejia te afiguras,

um vulto de mulher imorredouro.

 

Quando eu tombar –ainda não  o agouro –

só peço que, no meio das agruras,

tu me beijes, enquanto me seguras,

e cubras minha fronte com um louro.

 

Malhei o ferro, forjei minha espada,

no sangue do dragão eu me banhei,

minha sorte, porém, está selada.

 

Tombarei combatendo e - isto eu sei -

quando a noite chegar sem madrugada

outra vez no Wallhala ver-te-ei.

 

 

XIV

 

 

Outra vez no Wallhala ver-te-ei.

Frejia personificas, esse mito,

a deidade na qual tanto acredito,

desde a primeira vez que te encontrei.

 

Descobri desde então - e dir-te-ei

o que já muitas vezes te foi dito

e se quiseres até mesmo grito –

que antes de te ver eu nunca amei.

 

Esse amor é que ainda me soergue,

faz-me sentir uma paixão tamanha,

impedindo que o corpo meu se envergue,

 

e sempre recordar que na Alemanha

perdi meu coração em Heidelberg,

entre o castelo e a neve na montanha.