Martins Napoleão

O Poema da Forma Eterna

(Ó infinito sonho! O grande céu azul desfolhado no espaço! O homem pequeno e louco E o barro úmido às mãos do oleiro cego!) Expressar cada um O seu minuto culminante de beleza, O seu instante de bondade extrema, O seu momento de heroísmo, Na subitânea íntegra pureza De uma forma imperecível! Como o coágulo de luz no diamante sem jaça, Qual se a gota de orvalho, porventura, Imagem matinal do sorriso da luz, Se condenasse repentinamente. Não a forma perfeita, Porém aquela, exata e duradoura, De um ápice de síntese. Forma que se transfunda, num jato, a substância De um momento imortal entre dois limites inúteis do tempo fugaz. Uma forma que seja — nos limites do vário e mutável — perene. E possa traduzir a integração, a plenitude e a culminância Do glorioso momento da vida: O desejo de fixar o efêmero para o tornar eterno. Como o oleiro inocente, com as mãos carregadas de sonho, Procurar transmitir ao barro paciente, Numa manhã feliz em que os deuses se vestem de luz, O movimento, a vida, a elástica e nervosa agilidade Da asa de um pássaro voando... E o pintor, com os olhos impregnados de cores viventes, Anseia revelar, numa combinação imprevista de tintas, Em que a luz e a névoa se misturem, E a virgindade da manhã se case À difusa tristeza do crepúsculo, Num tom maravilhoso, O úmido olhar do amor que pecou por prazer... E o músico, de coração sangrante de harmonias, Tenta subjugar, num acorde que encerre O resumo de todas as únicas notas supremas Arrancadas das cordas soluçantes Dos violinos de todos os artistas Que morreram em êxtase de sonho. A expressão musical das primeiras estrelas Que iluminam o silêncio da tarde, Como lágrimas de adolescentes... E o atleta, que tem o sentido dos ritmos nos músculos submissos, Busca perpetuar, numa imagem que esplenda Clara e vibrátil como uma ode pindárica, E tenha a assustadora beleza da vitória sobre a morte, Ao pasmo olhar da multidão de fôlego suspenso, O salto sobre o abismo. E o herói, que mede o valor da vida pela beleza oportuna da morte, Ambiciona cunhar, numa imagem que ostente O soberano orgulho do desprezo E a coragem consciente do perigo, O simbólico exemplo Do primeiro soldado que tombou Com um sorriso nos lábios e uma rosa de sangue no peito. E o santo que transcende as leis humanas Aspira a eternizar, numa imagem que seja, A própria infinitude de todos os êxtases E todas as bondades sem nenhuma recompensa O gesto irrepetível Do instante de humildade e de renúncia Em que se debruçou para beijar o leproso na boca, Como um lírio num charco... E o poeta, flauta cheia do sopro divino Quer reunir, a um acesso instintivo de forças genésicas Num canto absoluto o irrelevado espírito das coisas, A harmonia que ninguém ousou captar, A beleza invisível para os outros. E o lavrador, que espera a bendição de Deus, Deseja aprender, numa imagem que vibre Como a entranha da agreste companheira Sob as primícias da maternidade, A alegria da terra, Rasgando o próprio seio sem doer Para as eclosões das primeiras sementes. Como o oleiro o seu momento de inocência criadora, E o pintor, o seu momento de domínio incomparável da matéria plástica, E o músico o seu momento de cósmica integração, E o atleta o seu momento de vitória espetacular, E o santo o seu momento de êxtase supremo E o lavrador, o seu momento de esperança milagrosa E o poeta o momento de seu canto absoluto Todos aspiram a perpetuar-se Moldando o grande sonho em forma eterna. Todos desejam essa alegria perfeita Da forma em que se transfunda, num jato, a substância Do momento imortal, único, entre os dois limites extremos e inúteis do tempo fugaz.


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