Miguel Jorge 

Coração
            
Há que se entender o homem
e seu devoto coração
sobre as poeiras das emoções
alquimia de peles ardentes
película de ouro soprando cinzas: jogo do fogo
ou um pobre diamante
que se corta e se fere
um espinho entreaberto
incerto.

Há que se entender o homem
e seu coração acrobata
no silêncio de suas mágicas
e que ninguém perceba suas taras
suas tiaras seus truques
seus gorjeios e perigos
seus sussurros seu exasperado
esforço de polvo.

Há que se entender esse devoto coração
de cada noite de cada dia
colhendo em seus roubos e arroubos
(em sua oficina torta)
uma reflexão quase morta:
Ah, esse chacal enjaulado
camuflado com armadura
de muitas armadilhas
em sua tessitura
tem um toque de ouro na rede de couro
esse senhor dos reclames comerciais
da Coca-Cola ou dos chicletes
das bananas espaciais
move-se em liberdade pequena.

Ah, esse coração
flor universal
é nervo aveludado
em todos os tempos enlaçado.

Ah, esse coração plantado com rosas mecanizadas
é talvez um sonho
ou uma fábula mal contada
com figuras quebradas
mais tarde reencontradas
ASSASSINADAS.

 
 [ Poemas do livro Profugus, Goiânia - 1990. ]

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  04 de dezembro de 1997