Morais Filho


A mulata

Eu sou mulata vaidosa, Linda, faceira, mimosa, Quais muitas brancas não são! Tenho requebros mais belos; Se a noite são meus cabelos, O dia é meu coração. Sob a camisa bordada, Fina, tão alva, arrendada, Treme-me o seio moreno: É como o jambo cheiroso, Que pende ao galho frondoso Coberto pelo sereno. Nos bicos da chinelinha, Quem voa mais levezinha, Mais levezinha do que eu?... Eu sou mulata tafula; No samba, rompendo a chula, Jamais ninguém me venceu! Ao afinar da viola, Quando estalo a castanhola, Ferve a dança e o desafio; Peneiro dum mole anseio, Vou mansa num bamboleio Qual vai a garça no rio. Aos moços todos esquiva, Sendo de todos cativa, Demoro os olhares meus; Mas, se murmuram: "maldita! Bravo, mulata bonita!" Adeus, meu ioiô, adeus ... Minhas iaiás da janela Me atiram cada olhadela, Ai dá-se! mortas assim... E eu sigo mais orgulhosa Como se a cara raivosa Não fosse feita pra mim. Na fronte ainda que baça, Me assenta o torço de cassa, Melhor que coroa gentil; E eu posso dizer ufana, Que, qual mulata baiana. Outra não há no Brasil. Nos meus pulsos delicados Trago corais engraçados Contas de ouro e coralinas; Prendo meu pano à cintura, Que mais realça à brancura Das saias de rendas finas. Se arde um desejo agora, De meus afetos senhora, Sei encontrá-lo no amor; Minha alma é qual borboleta, Que voa e voa inquieta Pousando de flor em flor. Meus brincos de pedraria Tombam, fazendo harmonia Com meu cordão reluzente; Na correntinha de prata, Tem sempre e sempre a mulata Figuinhas de boa gente. Eu gosto bem desta vida, Que assim se passa esquecida De tudo que é triste e vão; Um dito repinicado, Um mimo, um riso, um agrado Cativam meu coração. Nos presepes da Lapinha, Só a mulata é rainha, Meiga a mostrar-se de novo; De minha face ao encanto, Vai-se o fervor pelo santo, Pra o santo não olha o povo!... Minha existência é de flores, De sonhos, de luz, de amores, Alegre como um festim! Escrava, na terra um dono, Outro no céu sobre um trono, Que é meu Senhor do Bonfim! Na fronte ainda que baça, Me assenta o torço de cassa Melhor que coroa gentil; E eu posso dizer ufana, Que, por mulata baiana, Outra não há no Brasil.


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *