Martinho de Brenderode
Alentejo
					Campo triste, o Alentejo, triste!... Assim:
					Na primavera, verde, muito verde...
					Tudo queimado no verão... Sem fim
					Os horizontes onde o olhar se perde.
					Como eremita ou solitário monge, 
					Pela charneca rasa, sem um monte, 
					Surde, por vezes, uma torre ao longe, 
					Ao longe, muito ao longe, no horizonte...
					Dserto requeimado... Urzes e brejo...
					Ninguém!... Ninguém!... Tristeza e dor sem par!
					Terra do Sul!... Charnecas do Alentejo!
					Horizontes sem fim como os do mar...
					Perfume muito doce das estevas,
					Melada flor que qualquer toque espanca.
					Cevas de abelhas, inebriantes cevas.
					— Esteva das charnecas, branca, branca...
					Poisios desolados de tristeza, 
					Onde a baga vermelha do medronho
					Acende alegre a nota da suspresa...
					— Clarim rasgando enevoado sonho...
					A sem igual riqueza do sobreiro!
					Lembra fortuna rústica e maciça.
					Nutre os porcos, dá sombra ao caminheiro, 
					Dá lenha, dá carvão e dá cortiça.
*
					Terra do sul!... Sobreiros esfolados, 
					Trágicos e sangrentos... Maus caminhos...
					Charnecas róseas de urze... Descampados
					Muito roxos da flor dos rosmaninhos.
					Terra do Sul, de fundas azinhagas, 
					Tão verdes entre o campo todo loiro, 
					Onde a papoila rasga vivas chagas, 
					E o malmequer imprime estrelas de oiro.
					No declive de encostas sobre estradas
					Cortando terras altas e vermelhas, 
					Ancoram oliveiras desgarradas
					As nodosas raízes, tortas, velhas.
					Verdes valados onde o vento chora
					Nas canas glaucas dos canaviais, 
					Verdes valados que a pervinca inflora, 
					E onde conversam melros e pardais.
					Fracas figuras, magros e mesquinhos, 
					Muito gingões e muito afadistados, 
					Assobiam e troçam escarninhos, 
					Os múrmuros caniços dos valados.
					Valados... Flor estranha das candeias, 
					Murtas floridas, arrebenta-bois.
					Azinhagas tranquilas das aldeias...
					Malmequeres, papoilas, girassóis.
					De oiro estridente como a voz dum galo, 
					De oiro vestidos — Prestes ou Heróis —
					Lembram jarras gloriosas de Bordalo, 
					Hieráticos, radiantes girassóis.
					Valados agressivos de piteira.
					Encruzilhadas onde a estrada corta
					Outras estradas, brancas de poeira...
					Vendas humildes, térreas, loiro à porta.
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