Manuel da Fonseca

Estradas

Não era noite nem dia. Eram campos campos campos abertos num sonho quieto. Eram cabeços redondos de estevas adormecidas. E barrancos entre encostas cheias de azul e silêncio. Silêncio que se derrama pela terra escalavrada e chega no horizonte suando nuvens de sangue. Era hora do poente. Quase noite e quase dia. E nos campos campos campos abertos num sonho quieto sequer os passos de Nena na branca estrada se ouviam. Passavam árvores serenas, nem as ramagens mexiam, e Nena, pra lá do morro, na curva desaparecia. Já de noite que avançava os longes escureciam. Já estranhos rumores de folhas entre as esteveiras andavam, quando, saindo um atalho, veio à estrada um vulto esguio. Tremeram os seios de Nena sob o corpete justinho. E uma oliveira amarela debruçou-se da encosta com os cabelos caídos! Não era ladrão de estradas, nem caminheiro pedinte, nem nenhum maltês errante. Era António Valmorim que estava na sua frente. — Ó nena de Montes Velhos, se te quisessem matar quem te haverá de acudir? Sob este corpete justinho uniram-se os seios de Nena. — Vai te António Valmorim. Não tenho medo da morte, só tenho medo de ti. Mas já noite fechava a saída dos caminhos. Já do corpete bordado os seios de Nena saíam — como duas flores abertas por escuras mãos amparadas! Aí que perfume se eleva do campo de rosmaninho! Aí como a boca de Nena se entreabre fria fria! Caiu-lhe da mão o saco junto ao atalho das silvas e sobre a sua cabeça o céu de estrelas se abriu! Ao longe subiu a lua como um sol inda menino passeando na charneca… Caminhos iluminados eram fios correndo cerros. Era um grito agudo e alto que uma estrela cintilou. Eram cabeços redondos de estevas surpreendidas. Eram campos campos campos abertos de espanto e sonho…


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