Gonçalves de Magalhães

A Confederação dos Tamoios

Como da pira extinta a labareda, Ainda o rescaldo crepitante fica, Assim do ardente moço a mente acesa Na desusada luta que a excitara, Ainda, alerta e escaldada se revolve! De um lado e de outro balanceia o corpo, Como após da tormenta o mar banzeiro; Alma e corpo repouso achar não podem. Debalde os olhos cerra; a igreja, as casas, A vila, tudo ante ele se apresenta. Das preces a harmonia inda murmura Como um eco longínquo em seus ouvidos. Os discursos do tio mutilados, Malgrado seu, assaltam-lhe a memória. No espontâneo pensar lançada a mente, Redobrando de força, qual redobra A rapidez do corpo gravitante, Vai discorrendo, e achando em seu arcanos Novas respostas às razões ouvidas. Mas a noilte declina, e branda aragem Começa a refrescar. Do céu os lumes Perdem a nitidez desfalecendo. Assim já frouxo o Pensamento do índio, Entre a vigília e o sono vagueando, Pouco a pouco se olvida, e dorme, sonha, Como imóvel na casa entorpecida, Clausurada a crisálida recobra Outra vida em silêncio, e desenvolve Essas ligeiras asas com que um dia Esvoaçará nos ares perfumados, Onde enquanto reptil não se elevara; Assim a alma, no sono concentrada, Nesse mistério que chamamos sonho, Preludiando a vista do futuro, A póstuma visão preliba às vezes! Faculdade divina, inexplicável A quem só da matéria as leis conhece. Ele sonha... Alto moço se lhe antolha De belo e santo aspecto, parecido Com uma imagem que vira atada a um tronco, E de setas o corpo traspassado, Num altar desse templo, onde estivera, E que tanto na mente lhe ficara, — "Vem!" lhe diz ele e ambos vão pelos ares. Mais rápidos que o raio luminoso Vibrado pelo sol no veloz giro, E vão pousar no alcantilado monte, Que curvado domina a Guanabara. Cerrado nevoeiro se estendia Sobre a vasta extensão de espaço em tôrno, Cobertando o verdor da imensa várzea; E o topo da montanha sobranceiro Parecia um penedo no Oceano. Mas o velário de cinzenta 'névoa Pouco a pouco, subindo adelgaçou-se, E rarefeito enfim, em brancas nuvens. Foi flutuando pelo azul celeste. Que grandeza! Que imensa majestade! Que espantoso prodígio se levanta! Que quadro sem igual em todo o mundo, Onde o sublime e o belo em harmonia O pensamento e a vista atrai, enleva E f az que o coração extasiado Se dilate, se expanda, e bata, e impila O sangue em borbotões pelas artérias! Os olhos encantados se exorbitam, Como as vibradas cordas de uma lira, De almo prazer os nervos estremecem; E o espírito pairando no infinito, Do belo nos arcanos engolfado, Parece alar-se das prisões do corpo. Niterói! Niterói! como és formosa! Eu me glorio de dever-te o braço! Montanhas, várzeas, lagos, mares, ilhas, Prolífica Natura, céu ridente, Léguas e léguas de prodígios tantos. Num todo tão harmônico e sublime, Onde olhos o verão longe deste Éden?


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