Gonçalves de Magalhães

Napoleão em Waterloo

Tout n'a manqué que quand tout avait réussi. Napoleão em S. Helena (memorial).
Eis aqui o lugar onde eclipsou-se O Meteoro fatal às régias frontes! E nessa hora em que a glória se obumbrava, Além o Sol em trevas se envolvia! Rubro estava o horizonte, e a terra rubra! Dous astros ao ocaso caminhavam; Tocado ao seu zenite haviam ambos; Ambos iguais no brilho; ambos na queda Tão grandes como em horas de triunfo! Waterloo! ... Waterloo! ... Lição sublime Este nome revela à Humanidade! Um Oceano de pó, de fogo, e fumo Aqui varreu o exército invencível, Como a explosão outrora do Vesúvio Até seus tetos inundou Pompéia. O pastor que apascenta seu rebanho; O corvo que sangüíneo pasto busca, Sobre o leão de granito esvoaçando; O eco da floresta, e o peregrino Que indagador visita estes lugares: Waterloo! ... Waterloo! ... dizendo, passam. Aqui morreram de Marengo os bravos! Entretanto esse Herói de mil batalhas, Que o destino dos Reis nas mãos continha; Esse Herói, que coa ponta de seu gládio No mapa das Nações traçava as raias, Entre seus Marechais, ordens ditava! O hálito inflamado de seu peito Sufocava as falanges inimigas, E a coragem nas suas acendia. Sim, aqui stava o Gênio das vitórias, Medindo o campo com seus olhos de águia! O infernal retintim do embate de armas, Os trovões dos canhões que ribombavam, O sibilo das balas que gemiam. O horror, a confusão, gritos, suspiros, Eram como uma orquestra a seus ouvidos! Nada o turbava! — Abóbadas de balas, Pelo inimigo aos centos disparadas, A seus pés se curvavam respeitosas, Quais submissos leões; e nem ousando Tocá-lo, ao seu ginete os pés lambiam. Oh! por que não venceu? — Fácil lhe fora! Foi destino, ou traição? — Águia sublime Que devassava o céu com vôo altivo Desde as margens do Sena até ao Nilo! Assombrando as Nações coas largas asas, Por que se nivelou aqui cos homens? Oh! por que não venceu? — O Anjo da glória O hino da vitória ouviu três vezes; E três vezes bradou: — É cedo ainda! A espada lhe gemia na bainha, E inquieto relinchava o audaz ginete, Que soía escutar o horror da guerra, E o fumo respirar de mil bombardas. Na pugna os esquadrões se encarniçavam; Roncavam pelos ares os pelouros; Mil vermelhos fuzis se emaranhavam; Encruzadas espadas, e as baionetas, E as lanças faiscavam retinindo, Ele só impassível como a rocha, Ou de ferro fundido estátua eqüestre, Que invisível poder mágico anima, Via seus batalhões cair feridos, Como muros de bronze, por cem raios; E no céu seu destino decifrava. Pela última vez coa espada em punho, Rutilante na pugna se arremessa; Seu braço é tempestade, a espada é raio!... Mas invencível mão lhe toca o peito! É a mão do Senhor! barreira ingente; Basta, guerreiro, Tua glória é minha; Tua força em mim stá. Tens completado Tua augusta missão. — És homem; — pára. Eram poucos, é certo; mas que importa? Que importa que Grouchy, surdo às trombetas, Surdo aos trovões da guerra que bradavam: Grouchy, Grouchy, a nós, eia, ligeiro; O teu Imperador aqui te aguarda. Ah! não deixes teus bravos companheiros Contra a enchente lutar, que mal vencida Uma após outra em turbilhões se eleva, Como vagas do Oceano encapelado, Que furibundas se alçam, lutam, batem Contra o penedo, e como em pó recuam, E de novo no pleito se arremessam. Eram poucos, é certo; e contra os poucos Armadas as Nações aqui pugnavam! Mas esses poucos vencedores foram Em Iena, em Montmirail, em Austerlitz. Ante eles o Tabor, e os Alpes curvos Viram passar as águias vencedoras! E o Reno, e o Manzanar, e o Adige, e o Eufrates Embalde à sua marcha se opuseram. Eram os poucos que jamais vencidos Os dias seus contavam por batalhas, E de cãs se cobriram nos combates; O sol do Egito ardente assoberbaram, A peste em jafa, a sede nos desertos, A fome, e os gelos dos Moscóvios campos; Poucos que se não rendem; — mas que morrem! Oh! que para vencer bastantes eram! A terra em vão contra eles pleiteara, Se Deus, que os via, não dissesse: Basta. Dia fatal, de opróbrio aos vencedores! Vergonha eterna à geração que insulta O Leão que magnânimo se entrega. Ei-lo sentado em cima do rochedo, Ouvindo o eco fúnebre das ondas, Que murmuram seu cântico de morte: Braços cruzados sobre o largo peito, Qual náufrago escapado da tormenta, Que as vagas sobre o escolho rejeitaram; Ou qual marmórea estátua sobre um túmulo. Que grande idéia ocupa, e turbilhona Naquela alma tão grande como o mundo? Ele vê esses Reis, que levantara Da linha de seus bravos, o traírem. Ao longe mil pigmeus rivais divisa, Que mutilam sua obra gigantesca; Como do Macedônio outrora o Império Entre si repartiram vis escravos. Então um riso de ira, e de despeito Lhe salpica o semblante de piedade. O grito ainda inocente de seu filho Soa em seu coração, e de seus olhos A lágrima primeira se desliza. E de tantas coroas que ajuntara Para dotar seu filho, só lhe resta Esse Nome, que o mundo inteiro sabe! Ah! tudo ele perdeu! a esposa, o filho, A pátria, o mundo, e seus fiéis soldados. Mas firme era sua alma como o mármor, Onde o raio batia, e recuava! Jamais, jamais mortal subiu tão alto! Ele foi o primeiro sobre a terra. Só, ele brilha sobranceiro a tudo, Como sobre a coluna de Vendôme Sua estátua de bronze ao céu se eleva. Acima dele Deus, — Deus tão-somente! Da Liberdade foi o mensageiro. Sua espada, cometa dos tiranos, Foi o sol, que guiou a Humanidade. Nós um bem lhe devemos, que gozamos; E a geração futura agradecida: NAPOLEÃO, dirá, cheia de assombro.

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