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			Luiz Roberto Guedes 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
			
			Alô, Alessandra 
  
			  
			
			O dia escureceu, a chuva de pedra 
			metralhou os capôs dos carros, que acenderam faróis no meio da 
			tarde. As pessoas abrigadas no posto telefônico viram o homem gordo 
			aproximar-se balouçando como um barco, enfrentando o temporal com um 
			guarda-chuva pequeno demais para sua magnitude.  
			
			Abriram alas para ele. O homem mais 
			gordo que qualquer um já tinha visto. Alto, maciço, grandioso como 
			um gigante gordo, com macacão de jeans, bolsa a tiracolo e enormes 
			pés brancos, calçados em sandálias de couro. No topo de sua 
			piramidal pessoa havia um rosto rosado de bebê, que ele enxugou com 
			um lenço.  
			
			Com melancólicos olhos verdes, 
			constatou que todos os telefones para ligações locais estavam 
			ocupados. Percebeu que a maioria dos usuários eram “televendedores”, 
			e franziu a boca, desgostoso. Aquela gente costumava matraquear 
			durante horas.  
			
			Sentados às mesinhas, abriam pastas, 
			fichários, catálogos, folhetos e telemartelavam ofertas de planos de 
			saúde, títulos patrimoniais de clubes, cursos de inglês, loteamentos 
			no litoral e até jazigos perpétuos em “cemitério-jardim com 
			qualidade de Primeiro Mundo, minha senhora”. 
			  
			
			Impaciente, ele media o posto em 
			grandes passadas, tocaiando o próximo telefone disponível. Mal uma 
			mulher desligou, ele apoderou-se do aparelho. Consultou uma 
			agendinha, coçou seus três queixos e teclou.  
			Alô, Alessandra! É o Alex da Teatrupe. E aí, tudo bem? Você sumiu, 
			nunca mais apareceu no boteco. Está estudando inglês? Vai pra 
			Londres? Quando? Então a gente precisa se ver, tô com saudade. Vou 
			estrear minha peça no mês que vem, sabia? “O Seqüestro do Prefeito”. 
			Não, não é comédia, tá mais pra tragicomédia. Por que você não vem 
			ver um ensaio da gente uma noite dessas? Ah, você tem que estudar. E 
			na semana que vem? Ah, é? Ah, tá, então tá. Eu ligo pra você outro 
			dia. Vou te mandar convite pra estréia, hein? Quero ver você lá. Um 
			superbeijo! 
			
			Folheou de novo a agenda. Oi, Sílvia, 
			como vão as coisas? Descobriu que ela sumira por estar ocupadíssima. 
			Ligou para Vera e soube que ela estava trabalhando num navio, 
			fazendo um cruzeiro pelo Caribe. E ela volta quando, minha senhora? 
			Só em dezembro? Tá bom, eu ligo em dezembro.  
			
			Fez uma pausa. Pegou uma latinha na 
			bolsa, pôs uma pastilha na boca. Folheou, respirou fundo e teclou.
			 
			
			Alô, Mirella, tudo bem? Saudade.
			 
			
			Com voz macia, convidou-a para um 
			ensaio, um cinema, um bar, uma cantina, mas Mirella não tinha mesmo 
			nenhuma noite livre. Fungou, folheou.  
			
			Oi, Marcela! É o Alex da Teatrupe, 
			tudo bem? 
			Falava alto e claro, com uma dicção de ator. Sabia soar caloroso, 
			envolvente, caricioso. Seu timbre e seu texto logo atraíram a 
			atenção das pessoas para sua figura colossal, sua campanha tenaz.
			 
			
			Alô, Selma, Telma, Vanessa, Valéria, 
			Renata, Fabíola. 
			Os ouvintes involuntários tornaram-se espectadores interessados, 
			quase desejosos de que alguma Jandira dissesse “sim”, uma Cidinha se 
			deitasse com ele, uma Neide pusesse um fim naquela ânsia.  
			
			Alheio aos olhares, ele jornadeava 
			pelo alfabeto. Considerou um novo nome, batucando na página com o 
			indicador rombudo. Seu ar descrente, sua boca franzida fizeram as 
			pessoas temerem um novo “não”. 
  
			
			Oi, Priscila, ele principiou sem 
			esperança, sem brilho na voz. Vai fazer o quê quarta-feira, 
			sexta-feira, sábado, domingo, semana que vem? Ah, é? Ah, tá, ah, 
			sei. E rugiu, áspero, amargo, indignado, quer dizer que quarta-feira 
			você vai lavar o cabelo, na sexta, vai buscar sua tia no aeroporto, 
			sábado é o casamento da sua prima, domingo você vai visitar sua avó 
			doente, e na semana que vem também não pode? Então me diz quando é 
			que você pode! Me diz, Priscila! Qual é o dia, o mês, o ano? Fala, 
			Priscila! O quê? Aaah, vai tomar no teu cu! 
			
			Bateu o telefone, pegou agenda, 
			guarda-chuva e abalou para fora. As pessoas à porta abriram caminho. 
			Houve um silêncio, e logo cada um voltou a cuidar da própria vida, 
			ou apenas continuou esperando a chuva passar. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
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