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Jornal do Conto

 

 

Luiz Paulo Santana


 

Epilogo
 

 

— Ama-lo-ia, então?

— Talvez. — respondeu, absorta.

— Mas, um amor de o possuir? — insistiu João, escarafunchando mais uma vez o sentimento da amiga.

Ela puxou uma tragada antes da resposta, expeliu calmamente a fumaça e falou pausadamente, articulando as palavras com clareza:

— Por momentos inteiros, exclusivos...

— Isso é possível. — respondeu João, de modo peremptório, já que as últimas palavras de Elvira continham algo de definido, de afirmativo, que lhe causavam um intenso, mas controlado despeito. Queria mostrar-se decidido, mais ainda, queria rasgar, desafiar, no mesmo tom, como se lhe fosse, àquela altura, indiferente...

— É... É possível, porém... — tornou Elvira.

— Porém?

— Sinto-me inibida... Não consigo lutar por ele...

João entendia a dificuldade. Amava-a declaradamente, mas, há muito desistira de afirmá-lo, de continuar insistindo, de “lutar”, como ela mesma lhe dizia agora.

— Bem, terá de enfrentar isso, ou....

— Sucumbir.

— Sim, e não. Renunciar, talvez.

Ele havia renunciado? De certa forma, sim. Ainda teve a ilusão de que um dia — qualquer dia, amanhã, quem sabe? — haveria um encontro, eles se entregariam, mesmo que fosse apenas uma vez. Com o tempo a ilusão virou fantasia. E a fantasia foi se desbotando, como um recorte de jornal.

— Ainda não quis. — respondeu Elvira, relembrando os momentos que lhe reabasteciam as esperanças.

— Ou não pode? Ou pensa que não pode? — desafiou João, tentando valer-se de sua própria experiência.

— Não quis.

A resposta de Elvira, seu tom, seus olhos por um instante caprichosos de provocação, deixaram-no veladamente enciumado. Sentiu-se subitamente tomado pelo desejo ao reparar no talhe generoso dos seios decotados, no volume das coxas sob a saia justa, no lance elegante. Ela fitava longamente a perspectiva da rua, talvez imaginasse — pensava João — o seu amor parado à porta do prédio num momento de indecisão entre a lembrança de certa moça, com quem um dia flertara no bar e a quem, discretamente, pedira o telefone, e da mulher com a qual finalmente se casara.

“Que merda”, pensou João, enquanto reprimia o desejo com um retesar de músculos, irritado com a recaída inútil. “Que merda”, repetiu consigo mesmo. Uma mulher como Elvira sonhando com um homem que tinha outra e não lhe dava trela, e um homem como ele que sonhava com ela e não a tinha. E com ele, quem sonharia? Faltava um dado para fechar as contas. Mas essa era outra questão. Para João, Elvira era o bastante.

— Você vai a festa de encerramento? — perguntou com dupla finalidade: interromper o silêncio e dar um sentido aos próximos minutos.

— Devo ir, sabe como é, todo o mundo vai, nem que seja para marcar presença.

— Sei.

— Sabe o quê? — perguntou, irritada. No mesmo instante percebeu que se traía. Sentiu que ele saboreava o momento, remodelou a pergunta:

— O que é que você sabe, João?

— Jonas vai estar lá. Ele e sua delicada esposa. — alfinetou.

— E daí? Qual é o problema?

João deixou esvair a agressividade olhando-a seriamente. Disse, segundos depois, já sereno:

— Elvira, Elvira, até quando?

— Se você insistir, vou-me embora — disse Elvira, pondo-se de pé.

A resposta demorou um pouco, foi calculada e recalculada, mas, enfim, saiu:

— Vá, se quiser.

Elvira ressentiu-se com o amigo. Era a primeira vez que isso acontecia. Sob um silêncio interminável juntou suas coisas, colocou na bolsa e afastou-se devagar.

João a acompanhou com os olhos sentindo-se doente, desencantado. Percebeu que estava sem ar.

 

 

 

 

 

29.05.2006