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Leandro Konder


 


O cronista entrevista o obscuro Hegel



10 de julho de 2004

 

 

Georg Wilhelm Friedrich Hegel é, com certeza, um dos filósofos mais importantes da história da humanidade. Curiosamente, apesar de famoso, é pouco lido. É considerado muito obscuro. Seu colega Schopenhauer uma vez disse que ele era ''garatujador de absurdos'' e ''espatifador dos miolos alheios''.

Para ajudar a difundir algumas de suas idéias, pensei em entrevistá-lo. Havia, porém, um obstáculo considerável: Hegel morreu em 1831, há 173 anos. Fiz, então, algo que (conforme me ensinaram) nunca se deve fazer: ''entrevistei'' o morto através de frases extraídas de seus livros.

As perguntas e respostas que se seguem, portanto, carecem de autenticidade. Reproduzo-as, contudo, na esperança de que talvez não careçam de interesse para os leitores que cultivam curiosidades filosóficas.

- É notório que o senhor é um racionalista empedernido, que confia demais na razão. Não é?

- O que é notório, exatamente por ser notório, não é efetivamente conhecido.

- Mas o senhor confia na razão, não confia?

- O que é real é racional e o que é racional é real.

- E a paixão, qual é a importância da paixão?

- Nada de grande no mundo se realizou sem paixão.

- E a felicidade, na história?

- A história mundial não é lugar para a felicidade. Os períodos felizes são páginas em branco.

- O senhor me dá a impressão de pensar os seres humanos muito abstratamente. Os homens, afinal, são guiados pelas idéias?

- Os indivíduos em atividade na história são seres particulares, têm necessidades específicas, pulsões peculiares, interesses próprios. Frases ocas, como ''o Bem pelo Bem'', não têm espaço na realidade efetiva das pessoas vivas.

- Então os seres humanos são vítimas das circunstâncias? São inocentes?

- Só o animal é efetivamente inocente.

- Não há risco de dogmatismo na sua filosofia?

- O dogmatismo na maneira de pensar e filosofar consiste em subordinar o verdadeiro a uma fórmula fixa ou concebê-lo como algo que se esgota na percepção imediata.

- A sua filosofia é conhecida pela importância reconhecida ao conceito de totalidade. Mas em que consiste, exatamente, a totalidade?

- O verdadeiro é o Todo. Mas o Todo só alcança a plenitude do seu ser ao se desenvolver.

- Qual é o grande desafio do pensamento dialético, hoje?

- Reconhecer a rosa da Razão na cruz do presente.

- A filosofia pode atuar como vanguarda nisso?

- A filosofia chega sempre tarde. A coruja de Minerva só levanta vôo quando chega o crepúsculo.

- Qual o valor da opinião pública?

- Na opinião pública, tudo é falso e é verdadeiro. Cabe aos grandes homens achar o que é verdadeiro nela.

- O que é mais importante, a prática ou a teoria?

- O teórico está contido no prático. A vontade já traz o teórico nela.

- Como na sociedade civil-burguesa os indivíduos podem ser mais universais?

- A sociedade civil-burguesa é o campo de batalha dos interesses individuais privados de todos contra todos.

- Como um pai deve educar seu filho para fazer dele um bom cidadão?

- Fazendo dele um cidadão de um bom Estado, de um Estado com boas leis.

- Como educar as crianças contando-lhes a vida de Deus?

- A vida de Deus pode se expressar como um jogo do amor consigo mesmo. Mas cumpre evitar que ela se torne edificante e lhe faltem a seriedade, a dor, a paciência e o trabalho do negativo.

- O que é a religião?

- É a relação com o Absoluto em forma de sentimento, representação e crença.

- Qual o valor do ser humano?

- O ser humano vale por ser humano, e não por ser judeu, católico, protestante, alemão, italiano etc.

- O Lula ora diz que já fez muito nos seus 18 meses na Presidência e está satisfeito, ora diz que não conseguiu fazer tudo que pretendia e está insatisfeito. Qual lhe parece ser a atitude mais sábia?

- Na facilidade com que o espírito se dá por satisfeito pode-se medir a extensão daquilo que está perdendo.


 

 

 


 

27/06/2005