Luiz Augusto Kehl

Remetido por: Marcelo Coelho - mpcoelho@uol.com.br

O Fantasma

Olhar branco que teu ficara numa cara sem fundo duma carne sem peso como a lua, carne tua branca na memória tocada por uma língua sem gosto no beijo chupado etéreo pairando no lábio murcho da lembrança, toda a realidade que foste tornada no tom mais claro do pálido e a luz de uma vela que eu não acendia e o fogo morto do teu sexo enterrado nalgum passado remoto em outras noites, que eu chorara outrora, natureza morta, tu como todas as outras, tu como a primeira professora, tu como a foto sépia da coisa um dia tida, ou aquele dia na infância um dia, ou aquela praça sonhada, a língua mamada da namorada cega, saliva passada como água de rio, como rio, tudo, indo, tu náufraga corrente, vendo-te eu te tornares água, onda, marola, espuma, nada, apenas ida, afogada em teus cabelos de yara, teu canto doce apagando-se sob o muzak dos novos dias, tu, fantasma tantas vezes inacabado, roçando-me a pele num hálito gelado e transparente, brisa tremulante, ar que reverbera e não se vê, seda sem vida, tu -- viva ainda nalguma parte e que há de estar sorrindo-- viúvo de ti morta em mim te beijo o quadro rasgado e olho no papel amarelo rabiscado teu telefone lentamente desbotando e me despeço de ti para sempre em tua campa sem esperança plantada perenemente em minha alma, e juro-te que virei visitar-te, minha querida, sempre, sempre, todo dia.


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