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João de Moraes Filho


 


Entrevistando Vanessa Buffone



Publicado no Tribuna Cultural – Suplemento Cultural do Jornal Tribuna Feirense
Feira de Santana – 21 de Janeiro de 2006




João de Moraes Filho – Advogada, Produtora Cultural, Poeta Vencedora do Prêmio Braskem de Cultura e Arte 2005 / Literatura com livro de poesia As Casas onde eu morei. Em qual tempo a poeta Vanessa Buffone se depara com criação literária?

Vanessa Buffone – A advogada e a poetisa são complemento uma da outra; demorou, mas começou a acontecer esta sintonia. Já houve muita briga entre as duas, mas o problema não era com elas, era o lugar errado, a hora errada, as pessoas erradas. Quando encontrei o veio, tudo virou passos, espaços para estas duas que são uma só.
Sem agora questionar os motivos pelos quais não se pode viver de literatura no Brasil, mas, apenas analisando a minha realidade, vejo que é essencial para mim estar convivendo entre mundos diversos, em comércio. Em tudo está o homem, e eu não gosto de me furtar ao conhecimento (na pele, com a minha própria pele) das várias formas que o ser humano encontra para se relacionar, viver, seja individualmente ou em grupos, na sua solidão ou socialmente. Experimento o que está ao meu alcance, o que se me apresenta ao apetite. O trabalho como advogada, especializada na área comercial, traz o contato com o mundo globalizado, dentro e fora da minha cidade, do meu país, deste caos urbano, riqueza e pobreza, avanço técnico e dificuldades primárias, e sempre através de pessoas muito preparadas, cheias de histórias (todas são, a diferença está em ter ou não alguém que queira lhes ouvir, lhes admirar, prestar atenção nelas - e eu quero, eu gosto, eu preciso disto), enfim, meu trabalho traz este veio inesgotável de possibilidades do homem. Meus clientes sabem de minha saga, freqüentam os eventos dos quais participo, compram meus livros, levam suas famílias, é sempre uma festa. Meu trabalho também é uma d'As casas onde eu morei.

Além disso, não consigo me imaginar em berço esplêndido, sentada com a bunda na cadeira, pensando e escrevendo: eu preciso sair a viver, sem ser turista no mundo, participando de sua construção com minhas víceras, não só com minhas letras - é a necessidade de cada um, as minhas passam por estas. Não se trata da balela do trabalho dignifica o homem, mas sim do trabalho que proporciona movimento, o trabalho que me sacuda, que me jogue na realidade, que finque meus pés no chão, e, é claro, me permita o delírio!

Quanto a ser produtora cultural... sou não!!! Sou uma poetisa que quebra a cabeça para que eventos aconteçam. Gosto de celebrar a vida, não vivo sem um ritual. Faço o que posso para criar o que preciso. A idéia é movimentar a cena literária; primeiros experimentos feitos, o objetivo agora é estabelecer as parcerias necessárias para a coisa funcionar com maestria. E muitas delas já estão seladas, agora é uma questão de tempo para amadurecer as idéias. O espetáculo para mim é parte sagrada da poesia, da arte poética (na verdade, acho que é parte do sagrado em qualquer arte). O assunto é sério na minha cabeça, me cobro de mais, não fiquei satisfeita com nenhum experimento meu ainda, mas não tiro nem um centímetro do mérito de cada um deles, foram laboratórios, com seus encantos mambembes, impregnados de uma leveza-bêbada de quem está buscando e curte demais a procura.

E, finalmente respondendo objetivamente a pergunta, a criação literária existe nisso tudo, com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, com a falta de tempo fazendo eu me multiplicar, a vida trazendo mais e mais vida, e tudo vira matéria-prima. E, de vez em quando, eu fico gripada, que é uma tragédia inútil (né Clarice?!), indolor e inevitável, que me bota na cama por uma semana (quando é preciso mais tempo a gente dá um jeito!); com gripe não tem jeito, a gente tem que se entregar, tem que assumir que uns vão lhe chamar de vagabundo, ignorar o dia-a-dia comendo no cento e a correria do tudo é urgente, é um exercício e tanto, mas eu matei a porra daquele coelho!!!! Teve de tudo nesta gripe, foram verdadeiras férias: misto de desastre e prazeres, tive tempo, nossa, tempo, que delícia!!! Teve fossa sem sofrimento e com sofrimento, tédio sem angústia, angústia, frisson, nostalgia, delírios com e sem febre, ansiedade sem tensão, tensão sem perigo (teve perigo?, nossa, acho que faltou perigo...peninha...), botei minha leitura quase em dia, moral da história, tô com saudade dos meus dias de gripe e cama; voltei hoje; li uma média de 4 livros por dia, que saudade...

JMF – Você já participa ativamente do cenário da literatura baiana, não só por coordenar o Projeto Malungos. É possível assistir à suas belas apresentações em recitais e lançamentos pela capital e interior da Bahia. Há um sabor especial em ser premiada por um dos maiores prêmios da literatura brasileira para inéditos?

VB – Começar no mundo editorial com o Braskem de Literatura é muito bom. Sinto como se tivessem passado o marcador de texto sobre minha poesia, que agora está podendo ser vista com destaque, com atenção. Tem muita gente poetando, poder experimentar este meu início daqui está sendo muito gostoso. É uma oportunidade de tornar visível o que quer ser visível, o que quer ser corredeira para leitor anônimo.

JMF – Você é uma poeta que se dedica ao estudo da literatura vivenciando cada momento da criação, seja viajando ou em oficinas de criação literária. Qual a importância desse contato mais íntimo com a literatura para autores que estão iniciando a vida de escritor, se é que essa vida se inicia?

VB – A descoberta do extraordinário para mim passa inevitavelmente pela literatura, que me fundou tal como eu sou, que me presentificou ao longo de minha vida. Cada um que descubra, o quanto antes, como encontrar o extraordinário em suas vidas. Estudar literatura é como eu estudo a mim e o mundo, é a minha forma particular de investigar a vida. Virou instrumento de criação literária quando este estudo ganhou um objetivo, lucidez, um papel fora de mim, um objetivo para além de mim. Primeiro eu leio e escrevo, e é como se livros e personagens me (des)construíssem, para que depois eu os (re)construa, em uma outra parte de mim, já transformada por eles. E uma nova "Vanessa" que (re)constrói tudo. E eu vou me construindo e reconstruindo assim, porque a porcaria da pedra sempre torna a cair!!! Pior é que eu gosto, eu amo esta pedra!

JMF – O que podemos esperar desse livro de poemas, é um livro experimental?

VB – O livro começa com uma epígrafe de Mario Quintana, que diz assim: não importa que a tenham demolido,/ a gente continua morando na velha casa em que nasceu. Parece bucólico, saudosista, mas para mim Quintana não é nada disso – considero-o irônico, sarcástico, mas com uma lucidez e simplicidade que trazem a beleza que redime, transforma e liberta. As casas onde eu morei é basicamente uma história de moradas e fugas, um passeio pelas casas que nos abrigam e degredam, um passeio pela sensação de que não importa o quanto você mude (ou se mude – eu mesma já me mudei 19 vezes só em Salvador!), sempre se estará ligado ao início; e o que se faz com este início é a história de cada um.

Mas que o leitor saiba, é um livro de estreante, com todas as falhas e virtudes de uma estréia. Tem força, entrega e muito que aparar. A minha poesia ainda estar por vir. Estes são meus primeiros experimentos poéticos. Adoro o resultado, tenho muito orgulho de estar oferecendo ao público As casas onde eu morei. A ousadia necessária a qualquer artista está nele em sua fase embrionária, mas está. É preciso agora um aprofundar de objetivos e propósitos (propostas). O que quero da literatura? O que ela quer de mim? O que tenho? O que não tenho? Estou procurando as perguntas que me auxiliarão nesta busca; muita leitura e muita vida, experimentar é muito bom, é fascinante, melhor ainda é viver tudo isso. Uma tortura e aventura inevitáveis no meu caso.

JMF – Sempre temos notícias de que você participa de muitos encontros com leitores: Praia do Forte, Vitória da Conquista, Morro de São Paulo, Fortaleza, João Pessoa, Rio de Janeiro, agora recentemente no Rio Grande do Sul, a convite da Prefeitura de Bento Gonçalves. Como você percebe a recepção da literatura baiana nesses lugares mais distantes da Capital?

VB – A literatura quando é boa é bem recebida em qualquer lugar, seja baiana, chilena, nipônica, literatura não conhece fronteiras nem bairrismos. Mas até ser boa, passa uns perrengues!!!! Vai quebrando a cara, e se tiver força se estabelece. Mas sempre sou bem recebida, depois é uma questão de saber entrar e sair, e, em alguns casos, de se manter distância, e, em outros mais raros: de se mudar para lá!!!
O que vejo por aí, no entanto, principalmente nas escolas, é uma grande carência do contato com autores. É fácil conhecer um médico, um contador, um taquígrafo (sic!), mas quase ninguém conhece um autor, alguém que dedica sua vida a escrever livros. E como poucos conhecem um escritor, fica esta lacuna. Talvez venha também daqui toda esta “aura” de esquisitices (esclareça-se, esquisitices peculiares mesmo às peruas e aos fúteis!) que muita gente usa para se sentir/forjar escritor. É claro que tem escritor metido à besta, o que quero dizer é que não é essencial ao autor nem ao artista esta “aura” nojentinha. Taí uma coisa boa de acabar: a “aura” da poesia! Coisa de aura nenhuma! A magia e o mistério de qualquer manifestação artística não se confunde com estes humores canhestros! Escrever dá um trabalho danado, faz a gente pensar que uma vida é pouco, que não vai dar tempo, que é sempre tarde! Não há tempo para chiliques e não-me-toques!

JMF – O que esperar da poesia baiana, onde cada "um" dita suas profecias e receitas de como se realizar o poema autêntico, um de verdade? É possível acreditar que a poesia baiana hoje chafurda na lama da mediocridade artística e intelectual?

VB – Escrever sem viver é que dá nisso, ditar verdades, julgamentos com base em si mesmos: é que Narciso acha feio o que não é espelho! Escrever por vaidade, porque vestiu (achou que lhe servia a tal “aura” de autor que falei acima) a persona do que se acredita que seja "um escritor". Nossa, dá medo! Tenho mesmo medo de me contaminar com tudo isso, de ser tudo isso e nem saber. Estamos todos dormindo, é muito difícil acordar e estar lúcido, quanto mais permanecer lúcidos o tempo todo, até porque quando a gente abre o olho é isso que vê ao redor: mediocridade. O que esperar do homem, da poesia, da arte? Que siga, ora bolas! Pessimismos ou otimismos são exageros que entediam e escravizam. Seguir é o é preciso. Pelo menos é o que eu preciso.

JMF – O Projeto Malungos reuniu autores de várias gerações, o que mostra um certo diálogo entre as divergências que o tempo impõe a criação artística. Você pode nos apresentar alguma novidade sobre esse evento que já mostrou ser de suma importância para a Literatura baiana?

VB – O evento está sendo repensado, de cabo a rabo. Aguardem!

JMF – O que a poeta Vanessa Buffone nos apresentará no andamento da vida literária, já pensa em algum projeto literário?

VB – Estou numa trama nova, com alguns amigos, deixe estar! Na hora certa sai!
 

 



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20/07/2006