Jorge Nascimento


Temporalidade do Desígnio

Já é tempo de construir o poema, sentir que tudo foi exposto à crítica e assim revisitar ocultos locais da mente. Já é tempo de codificar o estilo, confrontá-lo com as horas mortas e reanimar todos os sentimentos vazios. Já é tempo de atribuir-se condição e sobrepor-se acima do tédio vital, reanimando sozinho todas as vicissitudes. Já é tempo de não contemporizar com os erros e demonstrá-los na imperfeita tábua da lei, feita para administrar os mais íntimos conflitos. Já é tempo de renunciar ao medo e expor-se aos desígnios do tempo magoados de esperanças. Já é tempo de retornar ao amor das palavras impronunciadas, readquirindo confiança na sabedoria das sílabas tortas e novamente sentir a febre de quem recomeça a vida com a certeza de estiolar novas e gradativas angústias em meio ao torpor das inutilidades, fazendo-se monge da solidão e confessor de si mesmo e fugir para o desvão das ruas noturnas e becos absconsos. Somente assim será possível a reconstrução tão almejada de reflorescer no presente as esperanças mortas do passado que ainda insistem em sobreviver de alegorias e expectativas elementares que se iniciam com a nitidez das auroras e fundam-se com o ácido arrebol das ilusões partidas. Já é tempo de recomeçar a viver mais uma vez cultivando sonhos e recusando realidades e deste modo retornar tranqüilo e confiante ao deserto onírico das mágoas crepusculares tão sábias em tecer enigmas e decifrar antigos sofrimentos.


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