João Cardoso de Meneses e Silva


A Serra de Paranapiacaba

Dorme; repousa em teu sono, Da força pujante emblema, Que tens o oceano por trono E as nuvens por diadema! Imóvel, muda, imponente, Entestas com a excelsa frente Das águias o azul império; E em vastíssimo cenário Da tormenta o quadro vário Contemplas do espaço etéreo. Salve, soberbo gigante, Altivo Titã do mar, Que aos pés contínuo descante Ouves a vaga entoar! Em teu manto de esmeraldas Envolves as vastas faldas E as empinadas cimeiras; E a brisa te agita os cachos E os verdejantes penachos Da coroa de palmeiras. Teus troncos, gravados do selo do tempo, Meneiam aos ventos as soltas madeixas; Quais harpas eólias, sussurram nos ares Canções jubilosas, ou ternas endeixas. És berço do raio; troantes estrofes Entoa em teus bosques a voz dos trovões E os ecos das grotas fiéis, repercutem O tom fragoroso de roucos tufões. Do raio ao fuzil horrendo, E ao crebro trovão, que estruge, De pavor estremecendo, A feroz pantera ruge A sinfonia assombrosa Une-se nota estrondosa, Que do fundo abismo sai: É o som da catarata, Que em alvos flocos de prata Num leito de pedras cai. Que majestade sublime, Que poesia inefável O belo ideal se imprime Nesse quadro incomparável. Essa cascata da serra Parece um hino, que a terra, Espontânea, aos céus eleva! Então, nossa alma se humilha, E, ante tanta maravilha, Em santo arroubo se enleva. Metais preciosos e gemas em cópia Ocultas, ó serra, nas lúgubres furnas; Retalham teu solo torrentes sem conto, Que o velho granito despeja das urnas. Povoam-te as selvas e negras gargantas Inúmeras feras e enormes reptis; Aí cantam aves, que as cores do íris Desdobram nas asas de vário matiz. Escuros despenhadeiros, Se escuta o surdo ribombo, Que vai ressoando, a espaços; É despegado rochedo, Pelo eriçado fraguedo A fazer-se em mil pedaços. Ali, que azul dilatado Se vai prender ao dos céus? É o mar que, encapelado, Ergue os móveis escarcéus. Então a vista desmaia, Na amplidão, que além se espraia, A perder-se no infinito. E esse imenso panorama De Deus o nome proclama, Da face da terra escrito. Desenham-se, às vezes, arfando nas ondas, As velas de um barco, do vento enfunadas, Quais alvas gaivotas, que à flor do oceano, Brincando, resvalam com as asas nevadas. Dos topes aéreos, estreitos e golfos Semelham regatos, talhando as campinas; Quais pontos esparsos, desdobram-se aos olhos As casas e torres, ilhéus e colinas. De teu cimo, a luz vibrando, O sol na esfera flutua, E o clarão pálido e brando Merencória, verte a lua. Outro céu de anil cintila Na superfície tranqüila Do mar, ardendo em fulgor; E a onda, que não vanzeia, Vem morrer na branca areia, Orlando-a de espuma em flor. Quem sabe se o cataclismo, Que puniu a humanidade, Não te fez surgir do abismo Das ondas na imensidade? Quem sabe, altaneira serra, Se és coetânea da terra, E do berço oriental? Quem sabe de quanta vida Foste a suprema guarida No dilúvio universal? Plantou-te nos mares o braço divino, Ingente montanha — barreira das ondas! — Quem dera perder-me contigo nas nuvens, Também devassando mistérios, que sondas! Prodígios, que encerras, são cordas sonoras De uma harpa celeste de excelsa harmonia, Que os hinos, que exala, perene descansam A glória do Eterno, de noite e de dia.


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