José Carlos Capinam


Confissões de Narciso

Que pensará meu pai de mim agora E dele que poderei pensar Eu que pensando nele Tanto gostaria de saber o que pensa de mim agora? (Não será essa a última hora da confissão Nem a primeira hora do nascimento) Mas que pensaria meu pai ao me ver chorar? Que pensaria minha mãe Me vendo agora beijar outras bocas, outros seios, a procurá-la como alimento? Sei que jamais saberei o que se passou naquele momento Como não sei quase o que se passa agora Lá fora a noite é cheia de compromissos E eu, omisso, gravo aqui meus sentimentos Guardado talvez de mim, guardado talvez dos outros E querendo estar tão absorto Que jamais soubesse como lá fora a noite se eterniza em nunca e jamais Jasmins exalam Flores crescem durante a noite e durante a noite despetalam Indiferentes ao fato de que pela manhã lhes arrancarão o talo E eu por que falo? Por que não escrevo, por que não beijo? Porque não caço o inexistente poema, borboleta imaginária? Minha mãe sempre me pareceu generosa e perdida Sempre me pareceu absorvida e mal amada Uma vida doada para nada E meu pai sempre me pareceu estrangeiro Como todos os pais Eu sequer por furto tive dele um sorriso Nem a mão por compromisso de andar até o outro lado da rua Minha vida foi sempre nua desde o primeiro dia E sequer me alivia E sequer eu quero que alivie Sequer eu quero que passe a vida Sequer eu quero que continue Eu quero apenas despir-me (Embora já esteja tão despido) E quisera então quem me possuíra Ai quisera somente dizer estas mentiras Para quem cresse em mentiras E pudesse vê-las mais verdadeiras que as verdades que são ditas Na casa ao lado há conversas mais sérias que poesia Há um plano de recuperar as moedas, as finanças, a pátria, deus e a família Tudo que é falido desde o começo Mas eu de tudo também participo E até em meu endereço chegam as cartas e o telefone toca (Serão avisos?) Deveria estar num comitê que discute o amanhã E as outras políticas do amanhã Mas eu sequer desejo sair da cama Quisera somente beijos, desses que não se proclamam Beijos talvez cruéis, que se derramam sequer da boca e sangram E também quisera que o meu desejo Não escapasse enquanto fosse o meu desejo E atendesse ele próprio ao que deseja Não me usasse para atendê-lo (ele que tanto me reclama)


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