José Blanc de Portugal


Ode a Lisboa

Ó cidade, ó miséria Ó tudo que entediava Meus dias perdidos no teu ventre Ó tristeza, ó mesquinhez cativa Ó perdidos passos meus cansados Ó noites sem noite nem dia Ó dias iguais às noites Sem esperança de outros melhor haver Ou, pior, esperando alguém que não havia Ó cidade, ó meus amigos idos (tive-os eu ao menos como tal um dia dia?) Ó cansaço de tudo igual a chuva e o céu azul imenso Igual em toda a volta, meses de calor, Ou água suspensa, nuvens indistintas Ou cordas de chuva a não poupar-me! Igual, igual, igual por toda a banda Ó miséria de sempre! Tua miséria, ó cidade Minha miséria igual em tudo Igual às tuas ruas cheias Igual às tuas ruas desertas Igual às tuas ruas de dia Igual às tuas ruas de noite Igual à dos teus grandes E das tuas prostitutas Igual às dos teus homens corrompidos E, piormente igual à dos teus sábios! Ó cidade igual inigualada Por que te chamo perdidamente igual? Tua miséria não é miséria, Tua tristeza não é tristeza Tudo que me perdeste para ti não é perdido: Meus passos firmaram-te as pedras; Tuas noites foram o meu sol; Teus dias me foram descanso... Iguais, dias, noites, minha desesperança Era o próprio esperar doutras certezas: A certeza de só poder tornar-se O alguém que é forçoso haver! Os meus amigos idos Por tal seriam por certo perdidos Sei — como não? que existiram: Lá estão. Ó cidade! o cansaço seguiu-me — não era teu. Igual o tempo está comigo — não era teu... Igual, igual, igual por toda a banda. . . A miséria, o desalento aqui os tenho — Também não eram teus. Mas a gente era tua e eu também. Lá ficou; e eu, Ó cidade, ó miséria, Ó tudo que me entediava, Meus dias perdidos no teu ventre!... Sei que nada me pertence É tudo teu! E eu me glorifico por eu e os meus Sermos só de ti que és de Deus!


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