Ivan Sarney da Costa


Vozes da Noite

Apagaram-se as luzes da cidade. Longa e densa se compôs a noite. Onde está o homem de ontem? O verdureiro, o vendedor de carvão? Anônimos polichinelos das ruas, Alegria de todas as manhãs. (A noite os consumiu no tempo.) Os sepultou no tempo. Laje fria de horror e mistério Sobre os risos efêmeros da vida. Há pouco piou uma rasga-mortalha. — Sinal de agouro. Diria meu avô. No entanto, o vôo da rasga-mortalha É a única esperança dentro da noite. Há sonhos aqui de amores reprimidos, Acenos de mãos desencontradas, Vozes caladas, corações ausentes, Um peito só que quer conter o mundo. De que me vale, às vezes, fazer versos Se meus versos são cheios de egoísmo E não tocam a boca do homem da rua, Não cantam o desespero, nem são armas de combate? Farei um grande e verdadeiro poema, Com lágrimas, suor e revolta, um dia. Poderia sair para olhar as estrelas. Que esforço esse das estrelas. Para brilharem na escuridão da noite! Que esforço o da alma para suportar o corpo! O corpo mergulha na materialidade. A alma quer éter divinizado. Não haverá corpo, nem sofrimento amanhã. Haverá espaço vazio, recordações de rumos palmilhados, Lembranças perdidas, amargura e solidão. Nada mais. Como eu queria ouvir agora um grilo, o alegre diálogo dos sapos, E ver luzir a luz dos vagalumes, Pontilhando de luz noite escura. Como eu queria que estivesse aqui, Branda, alegre, pueril, brilhante, Como um bando mágico de inocentes vagalumes.


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