Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Iosito Aguiar


 

Midraxe: o grande segredo dos poetas maiores
 

 

Desde os tempos de Elêusis entre os gregos iniciados por Orfeu, os poetas costumavam guardar uma palavra sagrada, só reconhecida noseu restrito círculo. De Kerenyi a Mircea Eliade, os mestres da linguagem sagrada de todos os tempos nunca esconderam seu fascínio pela expressão imemorial (senha sagrada)identificável apenas pelos veros poetas de todas as línguas e latitudes.

O Verbo Auroral é o elo que une o mítico e o histórico, mas só os abençoados por Apollo sabem disso. Estamos nos referindo ao código órfico onde o Poietés situa sua criação. O poeta maggior Gerardo Mello Mourão, nos ensina: Kat ekeinon ton chronon, que é a fórmula mágica do código órfico, mote dos cantadores gregos para o prelúdio inicial e iniciático da memória lírica das aventuras fundadoras do ser humano.

Percebe-se nitidamente algo mágico na relação do poeta com a poesia. Michel Déguy, poeta e mestre de poesia, adverte que o poema é feito de seqüências nas quais são indivisíveis a imagem, a figura, o ritmo e as fronteiras que não dividem espaço e tempo. O poeta habita a verdade indivisível e ocupa, simultaneamente: passado, presente e futuro. E Gerardo Mello Mourão, nos diz: Por isto, sua morada é o labirinto que, como se sabe, só tem uma saída: a porta de entrada.

Ao refazer o itinerário do seu labirinto pessoal, o poeta percorre a infância, a memória das coisas, dos lugares e das pessoas, personagens do seu reino profundo e pessoal. O mundo com sua costumeira violência não consegue dividir o poeta e, por isso mesmo, todos os momentos de sua vida auroral o acompanham.

Quem percebeu isso muito bem foi a poeta e escritora alemã, Ingeborg Bachman: Sem que o escritor ou o poeta tenha consciência, os anos da infância é o verdadeiro capital... o que vem depois e que até pode ser considerado muito mais interessante em nada acrescenta, estranhamente, apenas que, anos mais tarde, é que se começa a entender o que se viu com o primeiro olhar.

Gerardo percebe isto nitidamente quando diz: O vero e mero poeta repete sempre seu primeiro poema. O sopro inaugural atravessa todo o seu opus poético. Em qualquer coletânea de poesias: Fleurs du mal , Illuminations, Saison en Enfer, hinos, poemas,elegias, odes e cantos de um Baudelaire, Rimbaud, Hölderlin, Rilke ou Leopardi, respectivamente, e mais de perto no tempo, Eliot, Pound e assim por diante, cada verso é o fragmento, a frase musical de um mesmo e único poema, trazendo o contraste do quilate da peça inteiriça de ouro e prata, que o oficial do ofício do ouro e da prata deixava sempre na peça contrastada, a marca da sua lavra. E Hopkins assegurou: “Só os poetas autênticos sabem guardar esta identidade”.

A verdadeira compreensão do poema e o trabalho a ser efetuado no verso, ou seja, aquela espressione riuscita (exata, correta) invocada por Croce: das coisas, dos lugares, das pessoas, das circunstâncias, do espaço e do tempo, independe do conhecimento lógico, que se limita e se esgota na epiderme conceitual da realidade; para adentrar e compreender aquelas zonas medulares do conhecimento mágico e intuitivo, onde reside a beleza das coisas vivas, rastro dos tempos aurorais do mito, os grandes poetas estudaram, procuraram e procuraram até encontrar o meio, por meio do qual lhes fosse possível entrar no mistério do poema, compreendê-lo e dominá-lo.

Muitos chegaram lá mas não repassaram suas descobertas. Alguns até teceram comentários teóricos sobre o poema e suas técnicas. Dentre os muitos que entreabriram uma fresta da sua erudição, para que o vulgo ou interessados pudessem captar algo sobre o Midraxe ou Midrash, palavra que vem do hebreu Darash e nomeia um dos métodos de exegese rabínica da Bíblia.

Para explicar e interpretar os versos de seus veneráveis e os textos épicos de seus mestres, os religiosos do Oriente Médio aprenderam a Exégesis com os gregos.

Quando Eusébio de Cesaréia reuniu em Bizâncio, a mando do imperador Constantino, sábios religiosos do mundo de então, para estabelecer o cânon norteador do Cristianismo, acabaram entrando em contato com o Midrash. Chegaram a utilizá-lo quando prepararam(em paráfrase com os escritos dos seguidores de Jesús) o cânon da religião encomendada por Constantino, que mais tarde veio a ser o Cristianismo, que em verdade devia ser o Constantinismo, mas que acabou sendo a Igreja Católica e Apostólica Romana.

Poetas e intelectuais romanos, freqüentadores de Bizâncio, acabaram por ter contato com o Midraxe (Midrash) e aplicaram-no em suas criações. Os intelectuais judeus que apreciavam as técnicas do Midrash nos escritos de Avicena (980-1037) e que funcionavam como elo de ligação entre mouros e cristãos (espanhóis), ao notarem o interesse destes últmos pelas técnicas exercidas em Bizâncio por Eusébio e sua troupe de padres (trazidas para a Europa pelos romanos) perceberam a oportunidade de obter as boas graças dos renitentes espanhóis. (Nessa época os Illuminatis dirigidos por ricos rabinos já fincavam em terras de D. Quixote as bases de seu grande poder). Os chefões dos Illuminatis incentivaram os intelectuais judeus a passarem para seus colegas espanhóis o conhecimento e as técnicas do Midraxe para trabalhos em textos e versos.

Aqueles judeus aproximaram a Canaille espanhola aos escritos de Averroés (1126-98) que, apesar de muçulmano nascera em Córdoba. Guiados pelosjudeus cultos, souberam que, apesar de mestres no uso do Midraxe, Avicena e Averroés não eram importantes como pensadores. Eram na verdade grandes comentaristas e não filósofos; mais importante que eles para o Midraxe, foi o filósofo grego Aristóteles, grande autoridade do mundo sub-lunar e grande revelador do mundo celestial.

Muito lenta e penosamente o Midraxe chegou aos nossos dias, geralmente porintelectuais curiosos: poetas, escritores e professores, que acabam atinando com esse grande segredo de escribas e rabinos, lendo e pesquisando autores clássicos e a Bíblia. Houve até o caso de um médico e padre japonês, Dr. Mikao Usui, que nas suas pesquisas bíblicas, observando como os escribas do Oriente Médio lidavam com o Midraxe, acabou descobrindo a chave da cura com as mãos, método utilizado por Jesús, que o passou aos seus seguidores da Primeira Câmara. Estamos nos referindo ao REIK.

Entre nós podemos citar alguns conhecedores dessa miraculosa técnica de lidar com texto e verso. No início falava-se em revisão, lapidação, carpintaria poética, etc.; só recentemente um jornalista de origem árabe citou o Midraxe em passant num de seus artigos, tendo sido imediatamente contestado por um professor de origem judaica, que pontificou: Embora alguns árabes conheçam essa técnica, geralmente, escribas, intelectuais e religiosos, o nome verdadeiro éMidrash, do hebraico e quer significar interpretação ou investigação. Designa a exegese bíblica baseada no método Drash, que é uma análise minunciosa e microscópica do texto ou poema, verso por verso e, às vezes, letra por letra.

E o sábio professor citou os métodos Halalá e Hagadá. O primeiro aplicado aos textos jurídicos-religiosos e, o segundo,aos textos folclóricos ou históricos.

Mas o Midraxe evoluiu ao longo dos tempos, a ponto de hoje designar e cuidar de vários aspectos: exegese, tradição escrita e oral, ritmo, musicalidade, equilíbrio e fluidez. Existe uma rica literatura Midráxica que apresenta comentários dos livros bíblicos, prédicas sinagogais e outros documentos.

Nossos doutores universitários parecem não dar importância ao Midraxe ou, simplesmente, desconhecem o tema. Entre nossos grandes criadores é possível citar alguns que, seguramente, além de conhecer têm grande familiaridade com o Midraxe, sem, no entanto, jamais terem comentado nada a respeito. Cecília Meireles não só o conhecia como o aplicava com grande maestria em suas criações; Clarice Lispector conhecia e sofria com esse conhecimento. É que nunca conseguiu um interlocutor para discutir a técnica; João Cabral de Mello Neto soube tudo na Espanha, nos tempos em que foi cônsul. Um rabino vaidoso de origem sefaradita, que além de espanhol dominava também o português, sabendo ter diante de si um grande poeta e querendo demonstrar erudição, falou das técnicas que eles: rabinos, intelectuais e escribas, usavam para trabalhar texto e verso. João que já desconfiava de algo, dissimuladamente puxou o fio e o rabino, feliz por lhe dar uma demonstração de seu conhecimento, abriu sua caixa de Pandora e passou ao poeta pernambucano tudo o que sabia. E como também se aventurava no verso, fez uma demonstração ao João da tradicional prática.

Certa vez, perguntado sobre o tema, com seu conhecido mau humor, respondeu: poeta que não conhece o Midraxe, não merece o epíteto de poeta!

Drummond era outro que conhecia o assunto. Perguntado a respeito, escapou por trás de seu sorriso de viés. Lindolf Bell era familiarizado com o tema, que aprendera com o amigo e poeta Luís Carlos Matos que, por seu turno, teve acesso ao Midraxe através de uma intelectual judia com quem tivera um caso. Magnânimos, tanto Luís Carlos quanto Bell, passavam aos seus seguidores as técnicas sem nunca citar o nome verdadeiro. Falavam em carpintaria poética e trabalho artesanal com o verso.

Vininha dizia conhecer algo que lhe fora passado nos seus começos pelo escritor católico e seu protetor, Octávio de Farias que, no entanto, recusara-se terminantemente em aprofundar-se no tema, o que acabou gerando uma briga feia entre os dois.

Quem, certamente, conhece e domina o Midraxe com maestria é o poeta maior, Gerardo Mello Mourão. Entrevistei-o sobre o assunto. Ele disfarça, muda de assunto e nada diz. Entretanto, em seus escritos deixa escapar informações preciosas, especialmente sobre o lado mágicoque os judeus evitam peremptoriamente, não aceitando nenhum tipo de conversa à respeito.

Um intelectual baiano, profundo conhecedor e estudioso do Midraxe, pediu-me para omitir seu nome completo, portanto, ficamos apenas com seu primeiro nome: Antonio que me disse: Aqui na Bahia onde a magia escorre por becos e ladeiras como um óleo, a CANAILLE tem se dado bem. Trata-se de um conhecimento instintivo. Teve até um que veio me falar de um sonho, onde um escriba lhe ensinava a trabalhar o texto e o verso. Quando lhe falei das técnicas do Midraxe, era de ver sua alegria: Pois é, Ogum não me faltou. O sinhô me conte tudo à respeito. Tive que lhe obrigar a jurar sobre a Bíbliaque não iria sair espalhando o que eu lhe dissera.

Assim é o Midraxe. Na verdade não revelei nada, apenas fiz uma leve abordagem sobre o assunto que, mais cedo ou mais tarde, será de domínio público.
 

 

 

 

 

12.08.2005