Homero Homem de Siqueira Cavalcanti

O PESCADOR E O VENTO
À Luís Maranhão Filho, onde estiver, in memoriam
da infância na Praia do Meio e  da adolescência no Atheneu
 
Numa canoa de sol
A manhã me faz ao largo.
À noite tiro meu peixe.
                       Um pargo.

Moreia Sete Dentadas
Cortantes como rocega
Vento Nordeste, na volta
                       Me pega.

Ostra da arrebentação,
Me lanha a tábua do queixo,
Crava dente, tira bife
Na gengiva do ar -
                       recife.

Vento filho de uma grota,
                       Como uiva.
Aracati de uma figa,
                       Como briga.

No Pontal do Sirigado
Com seu chicote queimado
                        Me surra.
 
Na Croa da Água Bela
Com seu anzol de barbela
                       Me fisga.

“Desgraçado, toma umas
& outras, morre a teu gosto”
Sopra o terral no seu buso
                       Em agosto.

“Dente ciso cariado,
Cera do Dr. Lustosa,
Japona, chapéu de palha,

Talagada de aguardente
Com siri de tira-gosto,
Tudo isso é bom encosto”

Sudeste, vento aloprado.
Desarruma qualquer rota.
Dá nó na barba do mar,
Entorta vôo de gaivota.

Vento ruim, bandoleiro,
Sobrosso de terra e costa.
Na Praia do Cotovelo,
Já sem força no revólver

Dispara bala de vento.
O tiro bate no ar,
Ricocheteia na Lua,
No relento se dissolve.

Na Ponta da Pedra Lisa
                       Já de porre,

Vira brisa, assovia
                       Lento, morre.
Numa rede de cem braças,
                       Velha
                       E suja,
Fedendo a mijo de arraia,

Debaixo do cajueiro
como qualquer um de nós
Se enterra o Vento
                       Na praia.

Barra do Cunhaú, RN, 
janeiro de 1976.
  
 Remetente : Walter Cid

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