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Novidades da semana


Página atualizada em 05.02.2000
Haroldo de Campos
2000
 

os portais do terceiro milênio
(do vestíbulo
do)

rodam sobre seus rodízios de três zeros 
 

acoplados em c a u d a de cometa 
a um dois redondo 
rodam os signos do zodíaco 
atiçando a cósmica 
esfagulhante 
tocha augural 

o princípio-esperança 
pilastra esquerda do portal 
e a moura-desespero 
pilastra à direita 
sustentam ambas 
(discordante concórdia) 
os portões que rangem 
sobre os três 
zeros esféricos 
onde o sûnya o 
vazio búdico 
esbranca 
como olho de águia 
absorto em redondos 
plenissóis: 
o olho e o astro 
se contrespelham 

um dois brônzeo 
dupla garra de gonzos 
articula os portais 
enquanto os rodízios cantam 
a música plangente dos batentes 
que se entreabrem 
no engaste dobradiço 
dos quícios bronzefúlgidos 

o anjo-esperança 
e a gárgula-desespero 
se confrontam 
no aprazado convergir do 
calendário 

ao longo do estepário 
do futuro que se entre- 
mostra vaziopleno de latentes 
acasos 
o anjo e a gárgula se defrontam 

do mais fundo 
dos séculos a voz do sábio melancólico 
soa ainda 
ressoa 
ainda 
como antes 
no entrecéu do porvir 
que sibila seu enigma: 
a voz velha do sabedor- 
-das-coisas repete 
seu refrão que o trânsito 
das centúrias só fez 
confirmar como caixa- 
-de ecos: 

"e eu me voltei 
eu / e vi / 
toda a opressão // 
que é feita / sob o 
sol /// 
e eis o choro dos oprimidos / 
e não há para eles / conforto // 
e da mão que os oprime / 
força // 
e não há para eles / 
conforto" 

o anjo-esperança recua 
em sua armadura de diamante 
a gárgula-desespero jubila 
no seu gótico esqueleto de pedra 

: "aquilo que já foi / 
é aquilo que será // 
e aquilo que será // 
e aquilo que foi feito // 
aquilo / 
se fará /// 
e não há nada de novo / 
sob o sol" - 
prossegue o-que-sabe 
por entre as névoas 
do nada 

o arcanjo-esperança 
tomado de sagrado 
furor 
flameja sua espada 
multicentelhante 
e rasga um claro 
no ob- 
nubilado 
horizonte onde 
se engendra o 
f u t u r o 

a gárgula guincha 
no seu nicho de pedra - 
na lâmina 
coruscante do gládio lê-se 
cravejado em estrelas : 
"a esperança existe 
por causa dos desesperados"


Notas do autor
1 - O "sábio melancólico" é o autor anônimo do "Eclesiastes" ("Qohélet", em hebraico). Cito um excerto de minha recriação do capítulo 4 desse "poema sapiencial" bíblico (cf. "Qohélet / O-Que-Sabe / Eclesiastes", Perspectiva, São Paulo, 1990).
2- Adaptei à conclusão de meu poema uma formulação extraída do ensaio de Walter Benjamin sobre "As Afinidades Eletivas", de Goethe, datado de 1925 (W.B., "Gesammelte Schriften, vol. 1, Suhrkamp, Frankfurt, 1974).

Haroldo de Campos, 70, é poeta, tradutor e ensaísta. Fundador do concretismo, é autor, entre outros, de "Crisantempo" (Perspectiva), "Finismundo -A Última Viagem" (Sette Letras) e "Pedra e Luz na Poesia de Dante" (Imago).



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