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Concretismo


 


A divergência neoconcretista


Trabalho realizado pela equipe de Redação do Caderno Mais!
Folha de São Paulo, 08.12.96




O poeta Ferreira Gullar dá as razões de sua discordância do movimento concreto
 

O poeta e crítico Ferreira Gullar, conta na entrevista a seguir, dada por escrito à Folha, conta por que rompeu com o movimento concretista, tornando-se um dos fundadores do neoconcretismo, em 1959. Gullar nasceu em São Luís do Maranhão, em 1930. É autor, entre outros, de "A Luta Corporal" (1953) e "Poema Sujo" (1975).

Folha — Suas divergências com o grupo concreto de São Paulo foram de ordem poético-estéticas ou político-ideológicas? O sr. poderia dizer quais foram, em ordem decrescente de importância, os motivos que o levaram a criar o movimento neoconcreto?

Ferreira Gullar — As divergências eram poético-estéticas, uma vez que naquela época eu não tinha qualquer vinculação ou atuação político-ideológica. E eram anteriores ao próprio movimento, pois jamais aceitei uma visão meramente racionalista e técnica da poesia. O que detonou a ruptura foi um artigo de Haroldo afirmando que a poesia concreta seria feita, a partir de então, segundo fórmulas matemáticas. Como isso era impossível, considerei que afirmá-lo cheirava a charlatanismo, e eu tinha razão: essa poesia matemática nunca foi feita por eles. O movimento neoconcreto não foi criado por ninguém: nasceu naturalmente das experiências dos poetas, pintores e escultores que constituíam o grupo. Eu apenas elaborei a teoria que estava implícita nelas. Em arte não pode haver plano-piloto.

Folha — Estas divergências foram as mesmas com Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari e José Lino Grunewald ou variam de poeta a poeta?

Gullar — Eles pensavam em bloco: o que um dizia o outro confirmava.

Folha — Atualmente, se ainda existem, quais são estas divergências — em geral e em relação aos poetas acima citados? O fato de alguns deles terem, em sua obra, se afastado do idéario concretista propriamente dito o reconcilia com algum?

Gullar — Sempre situei estas divergências no plano das idéias e da prática poética. Não sou homem de malquerenças pessoais. Não posso precisar se ainda há ou não divergências entre nós porque não os leio, não sei o que pensam hoje. Mas gostaria de ouvi-los admitir que suas teorias sobre poesia eram erradas. Fariam um bem a certas pessoas desavisadas que insistem em difundir aqueles equívocos.

Folha — O que o sr. acha da produção ensaística dos concretistas, bem como de suas traduções?

Gullar — Os ensaios, não os conheço. Quando li suas traduções da poesia russa moderna, pensei: "ou Maiakóvski, Pasternak e Blok são uma droga ou essas traduções não prestam". Não havia vibração ou emoção em nenhum poema! Mas já li algumas traduções deles muito boas.

Folha — O sr. poderia citar o que considera o principal saldo positivo do concretismo? E o negativo?

Gullar — Saldo negativo: ter inoculado em muita gente uma visão equivocada da poesia; saldo positivo: ter posto em circulação uma série de autores e idéias importantes. Para o sr., em termos políticos, os concretos estão situados à esquerda, no centro ou à direita?

Folla — O sr. mantém suas posições políticas da época do rompimento, mesmo num quadro como o atual, tão diverso em relação àqueles anos?

Gullar — Esta pergunta parte do pressuposto errado de que a minha ruptura com os concretistas teve causa ideológica. Já respondi a essa questão. Como disse, não tomo conhecimento do que fazem os antigos concretistas. Sei apenas que já abandonaram a teoria concretista, por eles considerada sagrada, e em nome da qual condenaram todos os poetas que nela não se enquadravam.

Folha — Na sua opinião, quais os principais dilemas da poesia brasileira atual?

Gullar — A verdadeira poesia está sempre em crise, já porque o poeta se questiona permanentemente, já porque se trata de uma atividade descontínua e imprevisível. O problema grave da poesia brasileira está na crescente leviandade da mídia que desperdiça a maior parte de seu tempo e espaço difundindo banalidades, dando importância excessiva aos entretenimentos.

A poesia não tem lugar nem mesmo nos suplementos literários. Publicam-se ensaios sobre poesia, debates sobre poesia, mas o poema está excluído.

Folha — Quais os três poemas do período propriamente concretista o sr. considera mais significativos, incluindo os seus? Caso não lhe tenha ocorrido citar, que poema deste mesmo período o sr. destacaria de Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos e seu próprio?

Gullar — Não saberia dizer. Na época, poemas como "ovo novelo" e "terra" me pareceram interessantes. Hoje, vejo-os datados e vazios. Esse é o problema de uma poesia artificiosa, imposta pela teoria: seu conteúdo era apenas a "novidade", que logo passou. O verdadeiro novo nasce do velho, resulta de sua superação e transformação; por isso mesmo tem raízes profundas na cultura, na história, na linguagem. Fazer o novo não é questão apenas de vontade, mas de necessidade.

 

 

 


 

24/01/2007