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Gláucia Lemos




Breves considerações sobre um tema comum



 

Os doutores dissertam sobre arquétipos, medos, culpas, que determinam comportamentos, inspiram obras de arte, estando latentes na profundidade do inconsciente coletivo ou individual, e coisas que tais. Não sei se há correlação na flagrante recorrência, em Literatura, da temática voltada para Morte.

Preocupação consciente ou não, já não surpreende a presença dessa certeza, que, afinal, é a destinação a que todos chegaremos, embora, em sã consciência, jamais a queiramos. Seria dizer: caminhamos para o indesejado. Fatalmente ela nos colherá, e mesmo o incrédulo mais teimoso rende-se a essa certeza, obviamente. Só a morte existe. Só a morte é real. Só a morte é a absoluta verdade. Até os que questionam também a existência de um deus supremo — que é o nosso Deus, O dos que Nele crêem — sabem que dela não há como duvidar. A vida é que é uma circunstância.

A cada momento, a cada lento avançar do ponteiro de segundos, estamos um segundo a menos para nosso abraço com ela. Toda realização, toda alegria, todo sucesso, são conquistas de percurso. Toda dor é tropeço de estrada. Toda enfermidade que vencemos não é mais que um adiamento da sua aproximação.

Ninguém tem pressa, ninguém anseia por ela, mas no âmago, ou na raiz das criações literárias, a preocupação permanece em latência. O "sine qua non" da criatividade é a possibilidade do artista liberar todos os seus elementos interiores (Rollo May). Emergentes do mais recôndito da alma humana, esses elementos revelam-se claros ou metaforicamente, e então a referência à Morte aflora inevitavelmente.


A escritura das horas
...e a morte

Quem saberá dizer

adeus?

(Luís Antônio Cajazeira Ramos)

 

A escritura das horas — eis que o tempo evolui historiando os momentos durante itinerário mais, ou menos, longo, e todo o complexo existencial vivenciado irá culminar no segundo verso da primeira estrofe: ...e a morte, cuja negação, ou inconformismo, se manifesta justo na criação da obra de arte, na qual se imortalizará o homem, conforme o princípio que acredita na criação dessas obras como manifestação de rebeldia do ser humano à sua condição de mortalidade.


Todos os poetas que vivem
não são graves: são poetas
porque sabem.

Um dia vão morrer
e ficarão vivos.

(Cid Seixas)

 

Ficarão vivos, presentes na produção frutificada da sua sensibilidade artística. Por isso é que são poetas, exercitando o íntimo e inconsciente inconformismo diante da perecibilidade do próprio corpo. Artistas, negam-se à morte que, sabem, virá um dia, mas ficarão vivos indefinidamente.


Quem saberá dizer

adeus?

 

Eis a problemática da aceitação ao momento extremo.

As religiões encaminham os pensamentos. Aos cristãos-católicos, será doloroso dizer adeus, estarão ensaiando o passo inicial para se postarem ante o tribunal da Justiça Divina e receberem o julgamento definitivo, conforme as suas obras, boas ou más, na vida terrena. Grave momento que pode ser de sofrimento e aflição.

Aos cristãos-protestantes, será a hora de partirem para a permanência em algum ponto, talvez espírito ao lado do corpo sepultado, aguardando o retorno do Messias, que fará seus corpos decompostos reerguerem-se do sepulcro em novo estado de perfeição física, cinzas redivivas para o reencontro com os seres queridos, e a ascensão com Jesus-Salvador. Mas isso somente aos merecedores. Os pecadores permanecerão “ad infinitum” enterrados, putrefatos, e seus espíritos também condenados. Angustiante expectativa.

Aos cristãos-espiritualistas, o desenlace significa a conclusão de um itinerário na Terra, e partirão para, logo, ou mais tarde, retornarem, nascendo em outros corpos, dos ventres de outras mães, a darem continuidade à evolução da sua essência, fagulha da Luz criadora de todo o Universo. Evolução que se processará em cumprimento à lei de causa-e-efeito, ou seja, de algum modo recebendo, por atração natural, o reflexo das suas ações realizadas, positivas ou não, durante itinerários semelhantes anteriormente cumpridos na Terra. Determinismo irrenunciável.
Aos ateus, morto o corpo físico nada mais restará, segundo a crença de que não passamos de carbono e outras substâncias, combinadas para energização da maquinária fisiológica, que se desfará, simplesmente, à falência daquelas substâncias.
Aos budistas, islamitas, hinduístas e outros que tantos, e poucos não são, quais serão as posturas diante da morte, não tenho conhecimento.

Mas, qual dentre todos os referidos, segundo sua fé, será dotado de serenidade plena para a consciência da hora derradeira?


Quem saberá dizer

adeus?

 

Prossegue o poeta no penúltimo verso: Quem saberá dizer onde, a verdade que lhe possa dotar da calma necessária ao sutil instante da transposição do derradeiro patamar? Quem saberá dizer sobre a temerária ascensão ao Juízo, ou sobre os laços eternos inapartáveis da matéria decomposta em atitude expectante? Quem saberá dizer sobre a partida em esperança de retorno plasmado em novas formas físicas, revestindo a mesma essência, para possíveis reencontros? Ou sobre o absoluto NADA, o definitivo apagar-se de feitos, emoções, memórias — tudo vivenciado em vão — e a borra opaca que remanesce insignificante após o sopro do tempo na mera chama de vela esgotada? Ninguém saberá dizer, pois que FÉ significa acreditar no inexplicável. E a fé que leva à crença nesse ou naquele amanhã não mostra documento nem testemunho, tornando-se, pois, cambiante, sem sustentação para que alguém saiba dizer.

Finaliza o poeta: adeus?

Retornamos à dúvida anterior. Será adeus? O último aceno, a palavra última? Pois, certeza houvesse do final, afirmaria Adeus! — o adeus dos ateus, certamente. Mas, pergunta o poeta: Adeus? Despedida incalma, porque insegura, e não em calma, como se convencido estivesse. Uma interrogação que expressa todas as dúvidas em torno do ingresso no desconhecido da Morte, e que quer questionar: Então é adeus para sempre? Não haverá depois? Será mesmo ADEUS? Quem saberá dizer?

Em torno desse poema que reúne, em não mais que quatro linhas distribuídas em três estrofes, um bloco de dúvidas relacionadas com a destinação de todo ser vivo, os doutores se situariam conforme suas correntes de pensamento, os críticos literários fariam suas análises a par de métodos e assuntos afins. Não sendo eu uma coisa nem outra, apenas redescubro a soberania de Tanatos — face à qual o poderoso Eros também se torna apenas uma circunstância, à semelhança da vida. Tanatos detém todo o poder, é toda a verdade, por isso mesmo dela emana toda a insegurança que os poetas deixam aflorar do seu inconsciente.

Suponho que assim sempre foi e sempre será, vez que inexiste relatividade frente à morte.

 



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