Gilberto Diener

Rio bagagem

Agreste, agreste canção Que fala dos moleques No rio tomando banho, Caçando passarinho Pelas estradas; O rio era um quintal Moleques banhando. Canção da terra; Dois corações Podem ser felizes. Tinha um negrinho, tiziu, Sua risada espantava a passarada; No seu coração, guardava um segredo: Moça dos seus olhos Tinha cabelos como espiga de milho; Um sonho tão forte na noite Onde a lua clareia E reflete no Bagagem A sua mocidade... Um amor tão impossível Não tem cura; Duas raças tão puras Não se podem misturar. Nos dias que vadiava pela cidade, Aspirava fundo o cheiro, Alegria súbita de ver Seus olhos claros; Ao seu encontro a terra estremecia, Sua risada espantava a passarada, Um veneno exalava dos olhos nas janelas; A cidade não consente um amor como este. Banhos de rio, agreste canção; Velhos amigos, velhos corações Fez desse amor A tristeza mais profunda. E na noite em que os cães latem, E silenciam instantaneamente... A cidade prepara sua tocaia, Seu bote escorraçador; Ataca e bane velozmente E, no clarear do dia, O resto da violência Se acabou a risada, Tomou conta a passarada. Nas noites de estrelas, Pelo vale nas estradas, Vem tanger os guaribas; A terra estremece Com a sua presença, Os amigos o abraçam E relembra a cor dos cabelos De sua amada, banhos de rio... Assim quando sopra o vento o milharal Agreste, agreste canção.

Bahia / 1982

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *