Francisco Vilela Barbosa


O Retrato

De amor por ordem A Márcia bela Em fina tela Vou retratar. Vós que ao redor Lhe dais nas tranças Coas atiras mansas Rindo a brincar: Sutis amores, Deixai-as ora Ide da amora A cor buscar. Pintar com ela Quero o cabelo, Que a vista ao vê-lo Faz enlear. Os longos fios De quando em quando Vereis flutuando Prisões armar. A lisa testa, Feliz assento Do pensamento, Vê-se alvejar. Para ela a cor, Que a tem assim, Do mogorim Vinde-me dar. Bem como estrelas. Que o Céu adornam, Idéias a ornam, Menos de amar. Não vos esqueçam Purpúreas rosas Para as formosas Faces corar: Faces aonde Tenta o desejo Tímido beijo Ir assaltar. Mas vós de assombro Parais, amores ? Ide os fulgores Ao sol roubar: Ide, que eu quero Pintar-lhe os olhos Que podem molhos De setas dar. Ah! té parece Que já se movem, Que deles chovem Farpões ao ar! A boca breve, Que é toda mel, Falta ao pincel, Com que imitar. Desmaia o cravo, Morre o carmim, Onde o rubim Só tem lugar. Trazei-me pois Os do Oriente Filhos do ardente Raio solar. E logo um riso Dos lábios nasça Com tanta graça, Que obrigue a amar. A voz mimosa, Ou cante ou fale, Aroma exale, Perfume o ar. Dos alvos dentes De fino esmalte A luz ressalte Que faz cegar. Para imitá-los, Como careço, Pérolas peço De Manaar. De fino jaspe Branco pedaços Roliços braços Venham formar. Braços tiranos, Que prisões negam, E se se negam, É por zombar. Porém que estranho Suave enleio! Quem é que o seio Pode pintar? Quem, sem convulsos Sentir efeitos, Os níveos peitos Ousa encarar? Numes dos céus, Vós que os fizestes, Vinde-me prestes A mão guiar. Já do marfim Dois globos tomo; Vou-lhes do pomo A forma dar. Limões, que tremem Num ramo, imita, Quando palpita O níveo par. Da vista encanto, Prazer do tato, Nobre recato Sabe-os guardar. Somente é dado Ao pensamento O atrevimento De os contemplar. Vou pois... mas céus? Que mão cruel Ora o pincel Me vem tirar? Tirano amor Se era teu gosto Este composto Não acabar; Não me incumbisses Empresa assim; Mas eu, teu fim Sei penetrar: Sei que não queres Que acabe a obra, Porque o que sobra Pode matar: Mata-me embora Mas deixa ao menos Os pés pequenos Delinear: Pés, a que leda A flor mimosa Se dobra ansiosa Para os beijar.


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