Firmino Rodrigues da Silva
Nénia
					Niterói, Niterói, que é do sorriso 
					Donoso de ventura, que teus lábios 
					Outrora enfeitiçava?  Cor de jambo 
					Pelo sol destes céus enrubescido 
					Já não são tuas faces; nem teus olhos 
					Lampejam de alegria. — Que é da coroa 
					De madressilva, de cecéns e rosas, 
					Que a fronte engrinaldava? — Ei-la de rojo 
					Trespassada de pranto, e as flores murchas 
					Mirradas pelo sopro do infortúnio.  
					De teus formosos olhos se desatam 
					Dois arroios de lágrimas; — tu choras, 
					Desventurada mãe, a perda infausta 
					Do filho teu amado; e que outro filho 
					Mais sincero chorar há merecido?!
					Da noite o furacão prostrou tremendo
					Audaz Jequitibá, que ainda na infância
					Com a cima excelsa devassava os céus!
					— Eu o vi pelos raios matutinos
					Do sol apenas nado, auritingido
					Ainda sepulta em trevas a floresta!
					Eu o vi, e asilou-me a sua sombra.
					Também sou filho teu, oh minha pátria,
					E o melhor dos amigos hei perdido,
					Da minha guarda o anjo... eia deixemos
					Amargurado pranto deslizar-se
					Por faces, onde o riso só folgara:
					Que ele mitigue dor que não tem cura!
					Eu disse; — e majestosa e bela ergueu-se
					A princesa do vale... Ei-la que os olhos
					Crava nos céus, e aos céus as mãos levanta;
					De tanta desventura enternecida
					A viração da tarde parecia
					Com ela suspirar, gemer-lhe em torno,
					As luzidias tranças esparzindo-lhe
					Pelo moreno colo tão formoso.
					O Sol já descambava pra o ocidente, 
					E em cima das montanhas semelhando 
					Um círio aceso pela mão dos séculos 
					A fronte iluminava-lhe: — direis 
					Que da maternidade o gênio augusto, 
					Ante do Eterno as aras majestosas 
					Que a natureza por si mesmo erguera, 
					Sobrepondo à montanha altos serros, 
					Lenitivo a seus males implorava.
					— Oh! que mais lhe restava no infortúnio,
					Senão volver pra o céu olhos maternos,
					Para o céu, derradeiro, único abrigo,
					Onde a esperança de vê-lo se acoitava? — 
					Ouvi que ela dizia:
					"— Oh! meu filho,
					Entre milhares filho o mais prezado;
					Oh! meu anjo, por que me abandonaste?
					Ainda ontem pendente do meu seio
					Com sorrisos aos beijos respondias
					Que amor de mãe nos lábios te arroiava.
					De mil aromas perfumada a brisa
					Embalava teu berço na palmeira,
					E as rosas das campinas desfolhavam-se,
					Porque teu vímeo leito amaciassem:
					Oh! de meus filhos, filho o mais prezado;
					Oh! meu anjo, por que me abandonaste?...
					Ao donoso raiar da juventude
					Vi-o mais belo do que o sol de julho
					Que, desfeita a neblina, alto resplende!
					De louro mel os lábios borrifou-lhe
					Mimosa jataí; — branca açucena
					Mais cândida não era que seu peito, —
					Puro como os desejos dá inocência
					Ingênua simpatia lhe esparzira
					Um não sei quê de amável no semblante,
					Que vê-lo era prezá-lo; — a fronte augusta
					Traía o gênio que alma lhe acendia...
					Oh! de meus filhos ufania e glória,
					Oh! meu anjo, por que me abandonaste? —
					Que é feito do condor que o vôo ardido
					Arrojava por cima desses Andes?
					Dos céus nas sendas transviou-se acaso?
					...................................... Ai! quão triste,
					Quão sozinha deixou-me na floresta,
					Gemendo de saudade! Vem, meu filho,
					Consolo de meus males, minha esperança;
					Oh! meu anjo, por que me abandonaste? —
					Tal como o rouco som das rotas vagas
					Que contra as penedias bramam fúrias
					Confuso burburinho ao longe ecoa
					De gente que aproxima: — Ei-los — meus filhos, 
					Seus semblantes são pálidos; o gênio
					Lampeja nos seus olhos cintilantes!
					— Marchai avante, prole de esperança,
					À glória, à glória, que o futuro é nosso... —
					Mas que é dele?  Não vai na vossa frente! 
					Ohl que é feito do rei da mocidade, 
					Tupá, Tupá, oh numem de meus pais!
					Qual majestoso Chimborazo, esbelto 
					Alcantilado colo dentre os picos
					Dos desvairados Andes, oh meu filho,
					Em meio dessas turmas avultavas —
					Oh Tupá, oh Tupá, que mal te hei feito!
					Não guiarei a turma das donzelas
					Quando coréias rápidas tecendo 
					Por princesa dos jogos me aclamarem.
					— Minhas irmãs, eu lhes direi, deixai-me
					Na solidão chorar minhas desgraças;
					Sem dó, nem compaixão, roubou-me a morte
					Do meu cocar a pena mais mimosa;
					A jóia peregrina do meu cinto,
					O lírio mais formoso das campinas,
					O lume de meus olhos! — Oh meu filho,
					Ainda canta a araponga, e o rio volve
					Na ruiva areia a lôbrega corrente;
					Ainda retouca a laranjeira a coma
					Verde-negra de flores alvejantes;
					E tu já não existes! ..............................
					Primeiro volverão séculos e séculos
					Que outra palmeira tão gentil se ostente
					Nestas florestas altas, gigantescas!
					Como estalarão tantas esperanças
					Num momento de dor! — Eia, dizei-mo,
					Erguidas serras, broncas penedias
					Oh! Tupá, oh Tupá, que mal te hei feito?!...
					Não pude mais dizer... por entre as matas
					Como um sonho ligeira a vi sumir-se.
					E o oco som das vagas nos cachopos,
					E o sibilo dos ventos nas florestas,
					E o eco das montanhas, e o dos vales,
					A modo que num coro majestoso
					Ainda as últimas queixas repetiam:
					Oh! Tupá! Oh! Tupá! que mal te hei feito
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