Fernando Pessoa
 Deixa-me ouvir o que não ouço...
 
Deixa-me ouvir o que não ouço...
Não é a brisa ou o arvoredo;
É outra coisa intercalada...

            É qualquer coisa que não posso
            Ouvir senão em segredo,
            E que talvez não seja nada...

Deixa-me ouvir... Não fales alto !
Um momento !... Depois o amor,
Se quiseres... Agora cala !

            Tênue, longínquo sobressalto
            Que substitui a dor,
            Que inquieta e embala...

O quê? Só a brisa entre a folhagem?
Talvez... Só um canto pressentido?
Não sei, mas custa amar depois...
Sim, torna a mim, e a paisagem

            E a verdadeira brisa, ruído...
            Vejo-me, somos dois... 
 

 
Remetente : Arcileia