Fernando Pessoa
 
Hino a Pã
 
Vibra do cio subtil da luz, 
Meu homem e afã 
Vem turbulento da noite a flux 
De Pã! Iô Pã! 
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além 
Vem da Sicília e da Arcádia vem! 
Vem como Baco, com fauno e fera 
E ninfa e sátiro à tua beira, 
Num asno lácteo, do mar sem fim, 
A mim, a mim! 
Vem com Apolo, nupcial na brisa 
(Pegureira e pitonisa), 
Vem com Artêmis, leve e estranha, 
E a coxa branca, Deus lindo, banha 
Ao luar do bosque, em marmóreo monte, 
Manhã malhada da àmbrea fonte! 
Mergulha o roxo da prece ardente 
No ádito rubro, no laço quente, 
A alma que aterra em olhos de azul 
O ver errar teu capricho exul 
No bosque enredo, nos nás que espalma 
A árvore viva que é espírito e alma 
E corpo e mente - do mar sem fim 
(Iô Pã! Iô Pã!), 
Diabo ou deus, vem a mim, a mim! 
Meu homem e afã! 
Vem com trombeta estridente e fina 
Pela colina! 
Vem com tambor a rufar à beira 
Da primavera! 
Com frautas e avenas vem sem conto! 
Não estou eu pronto? 
Eu, que espero e me estorço e luto 
Com ar sem ramos onde não nutro 
Meu corpo, lasso do abraço em vão, 
Áspide aguda, forte leão - 
Vem, está fazia 
Minha carne, fria 
Do cio sozinho da demonia. 
À espada corta o que ata e dói, 
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói! 
Dá-me o sinal do Olho Aberto, 
E da coxa áspera o toque erecto, 
Ó Pã! Iô Pã! 
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã., 
Sou homem e afã: 
Faze o teu querer sem vontade vã, 
Deus grande! Meu Pã! 
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra 
Do aperto da cobra. 
A águia rasga com garra e fauce; 
Os deuses vão-se; 
As feras vêm. Iô Pã! A matado, 
Vou no corno levado 
Do Unicornado. 
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã! 
Sou teu, teu homem e teu afã, 
Cabra das tuas, ouro, deus, clara 
Carne em teu osso, flor na tua vara. 
Com patas de aço os rochedos roço 
De solstício severo a equinócio. 
E raivo, e rasgo, e roussando fremo, 
Sempiterno, mundo sem termo, 
Homem, homúnculo, ménade, afã, 
Na força de Pã. 
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã! 
 
 
 O "Hino a Pã" é uma tradução do Hymn to Pan, do prefácio do livro "Magick in Theory and Practice", de Aleister Crowley. Esta tradução foi publicada em outubro de 1931 em "Presença",de Pessoa.
(*) Mestre Therion é um dos nomes mágicos de Aleister Crowley.
 
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