| Ó vento do norte, tão fundo e tão frio, Não achas, soprando por tanta solidão,
 Deserto, penhasco, coval mais vazio
 Que o meu coração!
 Indômita praia, que a raiva do oceano 
Faz louco lugar, caverna sem fim,
 Não são tão deixados do alegre e do humano
 Como a alma que há em mim!
 Mas dura planície, praia atra em fereza, 
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
 E nisto que em mim é vácuo e tristeza
 É o visto o que vê.
 Ah, mágoa de ter consciência da vida! 
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
 Que rasgas os robles — teu pulso divida
 Minh'alma do mundo!
 Ah, se, como levas as folhas e a areia, 
A alma que tenho pudesses levar -
 Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
 De eu ter que pensar!
 Abismo da noite, da chuva, do vento, 
Mar torvo do caos que parece volver -
 Porque é que não entras no meu penssamento
 Para ele morrer?
 Horror de ser sempre com vida a consciência! 
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
 Arranca-me, é vento; do chão da existência,
 De ser um lugar!
 E, pela alta noite que fazes mais'scura, 
Pelo caos furioso que crias no mundo,
 Dissolve em areia esta minha amargura,
 Meu tédio profundo.
 E contra as vidraças dos que há que têm lares, 
Telhados daqueles que têm razão,
 Atira, já pária desfeito dos ares,
 O meu coração!
 Meu coração triste, meu coração ermo, 
Tornado a substância dispersa e negada
 Do vento sem forma, da noite sem termo,
 Do abismo e do nada!
 
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