Fernando J. B. Martinho


Fronteira Azul

Esta manhã vai subir como um lírio estrangulado lentamente na garganta. Esta manhã vai ter nas mimosas e no ar a alta vibração de um caminho para a Morte decidido firme e incorrupto. Vai passar o silêncio a fronteira azul onde os gerânios estremecem a mais pura gota de água a que nega o gosto a gravidade a que cai no céu e o embacia. Dizer do vento a primeira sílaba a primeira semente quando a terra ainda se não tinha desprendido do caos referir da lembrança o que mais dói nos seus recessos como custa suportar a luz crua das salinas que eleva nas margens do nosso desespero. Quando a morte se não podia ainda olhar de frente e os morcegos nos feriam com o latejar de um sangue mais fulminante que qualquer luz acontecia na terra o que nunca mais ousou repetir-se um lírio dava cor e dava forma à simplicidade bravia entre o silêncio e o que prometia ser a noite derradeira. Uma montanha ao alcance das veias um dia deu mais força aos membros mais volume à voz e quando já no rio toda uma vontade de nela ser um cardo crescia se me recusou abruptamente. Onde foi que um dia a limpidez teve o sangue do ultraje no rosto e não houve ninguém um lenço sequer para lho limpar? (in Antologia de Poetas Alentejanos)


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *