Filinto de Almeida


Misteriosa

— Quem será, de onde veio, esta perturbadora, Esta esquisita, ignota e sensual criatura Com gestos graves de senhora E trajes de mulher impura? — De onde veio e quem seja, em vão isso indagara, No teatro ou na rua a cidade curiosa... Suponde-a uma figura rara, Singular e maravilhosa. De tão esbelta que é, vós a diríeis magra, E é refeita, — e vivaz como uma esquiva lebre. E arde esse corpo de Tanagra Em estos de contínua febre. Realçando o fulgor dos encantos estranhos, À flor da tez morena, aveludada e fina, Parecem seus olhos castanhos Duas tâmaras da Palestina. Boca talhada para o amavio e as carícias, Melífica e aromal, é como uma abelheira Formada das flores puníceas Do hibíscus ou da romãzeira. Massa de seda, em fios crespos, com grande arte Disposta, o seu cabelo — à luz que incida de alto, Breada em reflexos se biparte De verde-oliva e azul-cobalto. Seu corpo tem um olor antes nunca sentido, Suave e capitoso e só dele, tal como Se desde o berço fora ungido De sândalo e de cardamomo. De onde veio não sei... de procedência vária, Nos diz... antes não diz; a gente é que imagina. Veio do Egito ou da Bulgária, Do Cáucaso, ou da Herzegovina... Andou no Oriente, creio, e esteve em Singapura. E a língua ? Quando diz de amor, bem está: distingo-a. Enfim, é uma criatura De meia-raça e meia-língua. É o mistério. É a ilusão do amor, que se nos serve Em ânforas de leite e em acúleos de cardos, Amor que se agasalha e ferve Envolto em peles de ursos pardos. Nada mais sei. Será uma fada? algum gênio? Meu espírito conclui, de cada vez que a sonda, Que ela é um amálgama homogêneo Da Salammbô e da Gioconda. Contou-me isto, outro dia, um amigo, que fôra íntimo, suponho eu, em dias não distantes, Da esquisita e linda senhora De trajes abracadabrantes.


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *