Fernando Guedes


O Fruto

Nos caminhos da aldeia germina a lama que o Inverno semeou. Soltos, cabelos grossos cobrem corpos mortos. Faminta, a criança trinca inutilmente a murcha flor do cardo. No lagar, homens sem vindima esmagam grainhas ressequidas. Pelos montes, uma recordação tênue agita o feno levemente; a mulher mais velha guarda na memória a imagem de uma avó, um coração ardendo na lareira. Acendem-se as lâmpadas ao escurecer, antes da primeira estrela. Para lá de janelas abertas desconhecidos encontram-se nos leitos. Os carros de bois passam vazios no caminho, sem ruído, na lama. Paz sem espada. Só na torre a torre, uma rosa mantendo seu perfume. Pela porta inviolada escapam-se as palavras, uma a uma, formando o discurso, o canto, o cântico da flor possuída no princípio dos caminhos: Firmei minhas raízes sobre a tua cabeça e elevei-me, oliveira a florir no campo, plátano junto ao rio. Cedo ao discurso, ao canto, para encaminhar teu ardor para o meu perfume forte, sedutor como a canela. Sou a torre e a porta, sou a rosa. E coloca um sinal sobre o teu coração: por ti nasceu a novilha entre o tojo rapado. Efigênia fugiu mas eu fiquei — em breve terás vento, apresta teus navios p'rá batalha. No golpe mais forte de uma espada, na lama que o teu ódio levantar, na hora do saque, tu me encontrarás: sou mais ágil do que o teu movimento e todas as riquezas estão em minhas mãos. Repousa na vitória deste encontro. Trago comigo as tuas sete feridas: vou levar-te para a tua tenda, cobrir o teu sono com os meus cabelos. Passados os três dias e as noites, ao acordar, ver-me-ás no centro da luz, sentada à tua porta. Não procures a torre nem a flâmula da rosa: eu estou como sempre fui, e a minha formosura te deslumbrará.


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