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			Felipe Fortuna 
   
            Começos impossíveis
 
              
            
 Gramáticas da Criação
 George Steiner
 Editora Globo. 367p
 
 
 
            A pergunta é antiga, milenar, mas 
			jamais calará: por que não existe o nada? Ou, de outra maneira: por 
			que existiu a criação, e qual o seu sentido e ainda o de cada 
			criação – na música, na literatura, nas artes plásticas, na ciência? 
			Responder ou discorrer sobre o assunto é uma tarefa monumental à 
			qual George Steiner se apresenta, em princípio, bem aparelhado, 
			entregando-se em Gramáticas da Criação a um longo ensaio filosófico 
			que pretende abranger a experiência humana, em especial nas 
			dimensões estética e política. A melancolia e o pessimismo 
			predominam no livro – o que aproxima o seu autor do pensamento do 
			alemão Oswald Spengler, famoso pelo livro O Declínio do Ocidente 
			(1926). O interesse pela alta cultura, o acompanhamento lúcido das 
			repercussões que novas descobertas ou invenções trazem para a ética, 
			os ciclos históricos e o esgotamento de algumas formas culturais 
			também aproximam os dois pensadores, que transmitiram idéias 
			provocantes e poderosas por meio de um estilo polêmico e, muitas 
			vezes, marcado por argutos aforismos. 
            O fatalismo de George Steiner é 
			incessante e tende a se justificar a cada parágrafo: sua visão de 
			arte é, de fato, a da luta contra o tempo e a morte, em vigorosa 
			dialética. Tanto o discurso filosófico quanto a produção da arte 
			"derivam seu poder criativo e sua tensão não-resolvida, da qual a 
			beleza e a morte representam os principais modos formais." Para ele, 
			a arte é o verdadeiro irmão da morte, e a criatividade é ao 
			individual quanto aquela experiência final, que não admite qualquer 
			forma de intercâmbio. Marcadamente solitária, a arte serve de que 
			modo à civilização? Esta é, enfim, uma pergunta central na obra de 
			George Steiner, e não apenas em Gramáticas da Criação: poderia a 
			arte afastar o ser humano da barbárie? A crer nos exemplos recentes 
			– por exemplo, a destruição de uma preciosa biblioteca em Sarajevo, 
			em 1992 –, e, sobretudo, nos campos de extermínio nazistas, a arte 
			não transmitiria ao ser qualquer noção consistente de humanidade. 
            O símbolo da cisão brutal dos valores 
			está representado, para George Steiner, pela preservação de uma 
			árvore plantada por Goethe dentro de um campo de concentração. Na 
			sua profunda investigação sobre o sentido da arte, lembra a passagem 
			em que Georg Lukács afirma que todo pensador e todo artista 
			continuariam responsáveis, ao longo do tempo, pelos usos e também 
			pelos abusos que suas obras autorizavam. A análise da tensão 
			política na obra de arte produz páginas de forte interesse, sempre 
			acompanhadas da perspectiva judaica que caracteriza largos trechos 
			do livro, como o da discussão sobre o poeta Paul Celan, e sobre a 
			''autoridade da palavra''. 
            Outras passagens do livro são 
			igualmente marcantes: por exemplo, a análise do Livro de Jó, no qual 
			o pensador enxerga uma apologia da "arte pela arte"; ou ainda a 
			inquisição sobre a permanência das personagens de ficção na memória, 
			muito mais longa do que a da "vasta maioria de todos nós"; ou, por 
			fim, observações magistrais sobre o relacionamento entre criação e 
			enfermidade, ou sobre a importância do erro no processo criativo. 
			Gramáticas da Criação é um livro ao qual falta uma conclusão 
			possível. Mas são inúmeras as conclusões ao longo do livro, que 
			seguem perfeitamente a advertência com que o autor abre o livro: 
			''não há mais inícios''.
 
 
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