Álvaro de Campos
 
Trapo
 
    O dia deu em chuvoso.
    A manhã, contudo, esteve bastante azul.
    O dia deu em chuvoso.
    Desde manhã eu estava um pouco triste.

    Antecipação!  Tristeza?  Coisa nenhuma?
    Não sei: já ao acordar estava triste.
    O dia deu em chuvoso.

    Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
    Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
    Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
    Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
    Dêem-me o céu azul e o sol visível.
    Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

    Hoje quero só sossego.
    Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
    Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
    Não exageremos!
    Tenho efetivamente sono, sem explicação.
    O dia deu em chuvoso.

    Carinhos?  Afetos?  São memórias...
    É preciso ser-se criança para os ter...
    Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
    O dia deu em chuvoso.

    Boca bonita da filha do caseiro,
    Polpa de fruta de um coração por comer...
    Quando foi isso?  Não sei...
    No azul da manhã...

    O dia deu em chuvoso.

 

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