Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Eunice Arruda




O arado e o chão


Por Enock Sacramento

 


 

Partindo-se do pressuposto que a literatura contemporânea é caracterizada pela pesquisa de novas verdades e dos meios adequados para exprimi-las, pode-se dizer que Eunice Arruda surge numa época marcada pela obsessão da procura e, que, em “O Chão Batido” (1), revela, mais uma vez, a aceitação da contingência da produção e consumo de poesia. Já aceitara ao publicar “É tempo de noite” (2), no qual procurou fixar a sua atitude perante a vida, deixando localizar uma ânsia de reformar o mundo através da autenticidade e do amor.

A busca do novo, do inatingido ainda acompanha os passos de Eunice. Por isso, acaba a sua primeira obra, não se contentou com ela. O “fogo santo” queima-lhe a alma e ela continua o ofício, na procura das verdades fundamentais, e ainda que o objetivo lhe escape entre os dedos, prossegue a investigação, fazendo dela - meio – o próprio fim (fazer da busca o ideal). Embora tenha consciência da precariedade humana, ela sabe que a depuração pode ser conseguida através do trabalho persistente e de vivências; que a messe do chão lavrado é farta e boa:

No entanto saberemos um
dia buscar caminhos
exatos
que levam às fontes

 

Estas fontes são a realização como pessoa, na área vital e como poetisa, no plano artístico. Eunice Arruda está a caminho delas, pois tem inata em si a necessidade de escrever, como uma condição “sine qua non” no seu existir, e demonstra saber fazê-lo nos próprios e admiráveis versos de confissão:

Quando escrevo
é a vida que
exercito

 

É no verso que EA vai encontrar o veículo ideal do seu mundo de sensibilidade. Desprezando a retórica que empolgou os poetas do século passado e voltou à baila na obra da geração de 45, é no tom confessional e intimista que comunica a natureza delicada de sua poesia, como em “contradição”:

Minha alma sorri
por pouco
chora por pouco
 

prática em que Henriqueta Lisboa é mestre. Despresa a pontuação, que se torna desnecessária e, quiçá, prejudicial à arquitetura dos seus poemas. A pesquisa formal a conduziu inclusive à utilização de recursos poegoespaciais em “Pedido”, em cujo desfecho EA desdobra a palavra eterno para conseguir uma dupla carga emocional:

Seu jeito de me olhar
e
terno

 

Mas a despeito de se identificar com os poetas técnicos e cerebrais, ela acrescenta a esta condição o lirismo de sua personalidade feminina e realiza, o seu modo e no seu plano, a soma de paixão e raciocínio, que a equação da “síntese dos tempos”, na expressão de Fábio Lucas. A sua aventura poética, embora pessoal, deixa transparecer uma intenção de se doar, que não chega, entretanto, a alcançar as raias do social:

Os de
amanhã

Hão de
encontrar

Batido o chão e propício o teto
 

Em “O Chão Batido” a poesia brota de uma forma contida, seca, à moda cabralina. Realiza-se, mais uma vez, o MILAGRE que deslumbra Mário de Andrade: - Como pode a poesia nascer de um chão mineral?!



1. Coleção Literária Contemporânea, Vol. 7 – Editor: Alexis Pomerantzeff – São Paulo – 1963.
2. Massao Ohno Editora – São Paulo – 1960.


Best-Seller - Santo André – SP
1963

 

 

 

 

11/08/2005