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Dimas Macedo


 


Amar Fortaleza

(Nos 280 anos da cidade)


 


 

Ocupo este espaço privilegiado de discussões culturais e de debates públicos para falar de um tema que muito me fascina e pelo qual sou vivamente apaixonado: a cidade de Fortaleza e o seu potencial lírico e amoroso, aquele que fere o coração e os recessos da alma.

Falo da cidade para rememorar a sua geografia estética e a sua história, para viajar pela sua memória e pelo seu imaginário fabuloso, porque em Fortaleza o que não falta é a expressão de um espaço em que as relações se tecem com os fios do mais puro linho e com o sopro dos ventos que recortam esse portal do atlântico aberto para o mundo.

Amar uma cidade é se perder pelas suas ruas, é abraçar a sua dimensão urbanística, é sentir a pulsação e a dinâmica das suas artérias, é sonhar com a sua humanização, se projetando na sua expansão virtual e no seu futuro, é sorver as resinas e os sais, a cal e o cimento, os suores e as pedras que se alojaram na sua construção.

Fortaleza, a capital dos ventos, a cidade-luz, que viu a saga da libertação em primeiro lugar no Brasil, é por igual “a loira desposada do Sol”, que o gênio literário e artístico de Paula Ney transformou em símbolo de intenso amor e de paixão, vendo as suas “ruas alinhadas como os versos de um soneto” e talvez agora nos induzindo a pensar no “Rostro Hermoso” de Vicente Pinzon, o espanhol que descobriu o Brasil em Fortaleza, antes da aventura de Cabral.

O “Rostro Hermoso” a que me refiro é o batismo primitivo do Mucuripe, dado pelo navegador espanhol, onde estão “O farol velho e o novo e os olhos do mar” da música imortal de Ednardo, e as velas mais puras e pandas da canção que projetou Fagner e Fortaleza nas páginas da história musical do Brasil.

É um prazer intenso falar de Fortaleza, essa grande civilização do semi-árido, uma cidade que aponta para o futuro com a sua indiscutível vocação internacional, e que agora, mais do que nunca, exige do seu aparelho institucional e político e dos seus dirigentes virtuais uma compreensão plural e humana dos seus problemas estruturais e dos seus espaços de convivência e de lazer.

Amo Fortaleza e, por isto mesmo, nela me encontro e me perco em perigrinações sucessivas, flanando pelas suas ruas e pelas suas noites, mormente pelas suas praias, por onde viajei e viajo ouvindo o marulho e o balanço das ondas, que se agitam entre a foz do Rio Ceará e a do Cocó, emitindo os sinais e os signos de uma cidade em que a água e o sal são talvez os seus elementos antropológicos distintivos.

E quando falo de Fortaleza, vivos estão na imaginação os seus bairros elegantes e a sua mal tratada periferia, por onde a sua população se derrama, comprimida em favelas não urbanizadas e em conjuntos habitacionais maltrapilhos. Esse lagamar periférico contrasta em muito com a imponência da cidade dos ricos, recortada por avenidas bem iluminadas e praças de pedras portuguesas.

Fixo-me agora no Polo Cultural do Dragão, que a determinação de Paulo Linhares incorporou à vida da cidade, porque me seduz também lembrar o glaumour sentimental do Benfica, a elegância da Praça do Ferreira, os bangalôs e sobrados do Jacarecanga, os palácios residenciais da Aldeota, a avenida Beira-Mar e, especialmente, o charme e a sedução incomparáveis da Praia de Iracema – agora ameaçada pela sanha da especulação e do aterramento – , points que constituem e que remarcam também um retrato quase fiel de Fortaleza e da paixão dos que sabem sentir os seus mistérios e os segredos que sua beleza revela.

Mas a Fortaleza com que sonho é por certo uma cidade utópica e necessária, livre da apartação social, aberta para a humanização e a dignidade, transparente na sua instância pública oficial, menos predatória em sua atuação legislativa, civilizada e democrática como todo aglomerado urbano que se preza.

Fortaleza, no entanto, está a desafiar os seus dirigentes institucionais e a sua elite política virtual: exigindo dos primeiros a transparência das contas públicas e do planejamento, e da sua elite política virtual um projeto de amor para a cidade, no qual os seus desequilíbrios sociais e os seus índices educacionais inadmissíveis sejam devidamente dimensionados.

O desafio de amar Fortaleza é o de sentir o aceleramento do seu descompasso ambiental e da sua mal resolvida política de transportes públicos. E mais do que amar Fortaleza é pensar o seu zoneamento urbano manejado, despudoradamente, por decretos que não se conciliam com a Lei e a Constituição.

A Cultura é o vetor primeiro de transformação das intenções de qualquer projeto político. A cultura, no seu sentido macro, conjugada com uma forma, não clientelista, de prestação educacional e com os princípios do planejamento estratégico e do orçamento participativo são, possivelmente, as tintas que Fortaleza precisa: a) para entrar na estrada do futuro; b) para superar seu atraso político e a concepção burocrática que a mantém nas turvas águas do passado.