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Página atualizada em 19.09.1999
 
Darcy Damasceno
Darcy Damasceno dos Santos nasceu em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, em 2 de agosto de 1922. Obra poética: Poemas, 1946;  Fábula Serena, 1949;  A Vida Breve seguida de O Pajem Constante, 1951; Jogral Caçurro e Outros Poemas, 1958.
Remetido por Anibal Beça
Poemas:
Minhas mãe, quando eu morrer
Ao vento a mais alta, aquela
Canção atrevida
O encontro
A dama
Romance da Gávea Pequena
Romance da fome em Nápoles
Morrer de amor
Romance da monja
Escarninha

               - I - 

Minha mãe, quando eu morrer,
Vai dizer que foi dos versos
Que morri, que foi dos versos...
 
Olhando os olhos defuntos
Nas órbitas fundas enxutas:
- Dos versos, que era poeta...
 
E no avesso de minha alma
(Nem verso pôde contar)
O luto que ando vestindo...
 
Mãe, agora só te peço:
Vai pedir que falem baixo,
Quando a minha dor passar...
 

 

- II -
 
Ao vento a mais alta, aquela
Que ao vento se arredonda.
A que acelera
A quilha que roça a onda.
 
Ao vento aquela, a mais larga
Que contra o céu se estende.
A que só cabe
Na extensão que não se entende.
 
Ao vento aquela, a curtida
Numa viagem funesta.
A que Deus mira
E colhe o que dela resta.
 


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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
CANÇÃO ATREVIDA
 
 
 

Na casa em frente ( à janela
Há flores, mas nem todo o ano)
Morava, morou ninguém,
 
Alto colo de cambraia
Para lá do cortinado
Encardido, mas aquém
 
Do meu desejo. Ignorou-me,
Em seu desprezo; em meu sonho,
Outrora, foi ela quem,
 
Felina sombra ciosa,
Mordeu em fúrias de estio
Os lençóis; o seu desdém,
 
Lançou-o à rua. Consente
Minha lembrança lembrá-la
Na casa em frente, porém
 
Alto colo, toda nua,
Toda pura entre cambraias.
Noutro tempo foi meu bem.   
 


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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
O ENCONTRO
 

- Por que tremes? (A mão arde
No braço do adolescente.)
- A senhora é tão bonita!
- Mas tu só viste o meu rosto
Na sombra e só conheceste
O corpo sob o vestido...
- Parece o rosto de tia
Mariana e o corpo dela,
Quando se encostava em mim.
Me olhava às vezes nos olhos,
Alisando assim meus braços.
- Meu louco! Meu pobre louco!
- Eu então pensava coisas,
Mas depois tinha vergonha.
- Tão moço! Por que não amas
As moças de tua idade?
- A senhora é tão bonita!
- Se eu te mostrasse meu corpo,
Vai ver tu ficavas triste.
Ainda que te lembrasse
O corpo de alguma moça
Que foi tua namorada,
Ou mesmo o da tua tia
Solteirona... Mas vai ver,
Tu ficavas com vergonha...
- É igualzinho ao da tia
Mariana... com vestido...
(Queimava a boca ensaiada
No rosto do adolescente,
Como a de tia Mariana
Quando o beijava na boca.)
- Se eu já não fosse uma velha,
Tu serias meu amante.
(Tremia o moço, colado
Ao corpo de Mariana
E tremia a prostituta,
Colada ao corpo do moço.)
- A senhora é tão bonita!
- Mas também eras meu filho:
Te penteava, arrumava
Direitinho, como as mães,
E havia de Ter ciúme
Das moças que namorasses.
- Eu não tenho namorada.
- Gostas de mim, meu benzinho?
(A mão alisava as costas
E era dolorido e bom
Aquele frio na espinha.)
- A senhora é tão bonita!
- Hoje vais dormir comigo.
Vais ver meu corpo sem roupa...
- Estou com pouco dinheiro...
- Ninguém te pediu dinheiro.
Sobe comigo, se queres.
Mas em silêncio. Cuidado,
Não tropeces nos degraus.
 
 
 
 

   
 


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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
A DAMA
 

Era dama, eu não sabia,
Pois tratava-a por princesa.
Sabia, sim, mas fazia
Como se não, porque à mesa
Donde deserta a alegria,
Se dois bebem, a tristeza
Se aventura em companhia.
 
Era dama, eu bem sabia,
Mas a queria princesa,
Porque em seu silêncio havia
Algo tirante a nobreza
E o meu silêncio dizia
Que, se bebem dois à mesa,
Algo além da carne os lia.
 
Era dama, e consentia
No rosto a frágil firmeza
De quem não quer, não queria,
Mas quisera, com certeza,
Se soubesse que eu sabia
Que era dama, embora presa
Do triste que me prendia.
 
De princesa presumia
Porque éramos dois à mesa
E entre nós e a carne havia
Algo tocante a tristeza,
Que, no silêncio, acendia
A lâmpada da surpresa
E ante a mulher me inibia.
 
 
 
   
 


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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
ROMANCE DA GÁVEA PEQUENA
 
 
 

Além da Gávea Pequena,
No colchão da areia fina,
Entre moitas de espinheiros,
Pegajoso de resinas
Apequenou-se em tremores
O seu corpo de menina
Sob a sombra de meu corpo,
Que ardia de areia fina.
 
Esparramavam-se em seus olhos
Esgarçadas turmalinas
E nunca mamilos moços
Assim foram pequeninos
Salgando a boca sedenta,
Qual recentes coralinas.
 
- Se eu fosse terra, dizia
Duma voz morna, em surdina...
E escorregava-me a boca
Pelas molhadas colinas,
E era sal todo seu corpo,
Terra, mar, uma bonina
Que se esmagava, revolto
Orbe ardente de resina,
Espasmos de parturiente,
Chão fugido... Já menina,
Dormia sono contente
À sombra, na areia fina.   
 


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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
ROMANCE DA FOME EM NÁPOLES
 
 
 
 
 

Esta fome... Quantas fomes
Da carne, do sonho não,
Entre o podre dos repolhos
E a espuma da contensão!
Quantas fomes de outra fome
Entre os miasmas irão
Sob a túnica dos homens
Em doída sujeição,
Buscando a vida no aspargo
E no gozo danação!
Quanta fome à prostituta
No sonho do rufião
Desperta a outra, essa bruta
Fome dos homens - desvão
Noturno da carne ardida -
Nos becos da escuridão.
Hora de odores, contendas
De cálcio e putrefação
Nas encostas visigóticas,
Nos porões da perdição,
Quantos padres e rameiras
Levam a lábia e o sermão
Aos homens, que em suas fomes
Buscam pecado e perdão,
Trilhando o estranho caminho
Da paz do estômago são
- Caminho que leva a Deus
Por terrena danação.
 
 
 
 
 
   
 


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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
MORRER DE AMOR
 
 
 
Tanto crepe fora pouco
Para o céu daquele dia.
Tanto sol em suas bocas
E dizer que se morriam!
 
Um lábio de azul e cinza
Roçava a palha do dia,
Quando foram de mãos dadas
Pela estrada amanhecida,
A ver o vale vizinho
Donde era a sombra sumida
E onde o amor todo se inflama
Num perene meio-dia.
Em silêncio caminharam
- E que sol dentro lhes ia!
Entanto, o sol era crepe
Como o sol fora, no dia...
- Quando chegue, Deus me guarde
De lembrança de família.
Fique o pai com seu tesouro,
Minha mãe com suas filhas.
- Quando a estrada chegue ao alto,
Hás-de ver que maravilha!
Tudo é mar em derredor
E sobre ele assenta o dia!
Depois, quando vai descendo,
Vem o vale com a igrejinha
E, verde, o campo de golfe.
- Aperta tua mão na minha...
- Tens medo, amor? - não foi nada.
Mas senti como se um dia
Eu tivesse estado assim,
E tomou-me um calafrio...
Nunca vi jogarem golfe.
- Descansa, amor. Quando aliso
Teus cabelos, um soluço
Fica preso dentro em mim,
E um desejo de chorar
Beijando teus olhos, minhas
Mãos te apertando a cintura...
- Também sempre entristecia,
Quando devia alegrar-me.
Mas tudo vem a seu dia.
 
- Não lembres mais. Nosso amor
É só o que importa. Este dia
Vai ser nosso a vida inteira,
Que agora é que principia.
- Abraça minha cintura,
Que é mais suave a subida.
 
Salsa língua de ouro e níquel
Lambia o lábio da fina
Areia, quando desceram
Pela estrada que esplendia,
Chegando ao vale onde a sombra
Era memória abolida
E à fronde do amor inflama-se
A criatura consentida.
 
No campo verde, os ingleses
Jogavam, passando a vida,
E pela praia passavam
Árdegas éguas sem brida,
Enquanto o pai recontava
Esmeraldas e safiras.
E quando em veludos verdes
Os diamantes mais ardidos
Rolaram, o amor aos ares
Alçou-se, de sob a vide.   
 

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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
ROMANCE DA MONJA
 
 
 
Dentre todas as formosas,
Formosura mais altiva
Era a daquela que às rosas
O rubor esmaecia,
Quando, do alto céu baixando-os,
Ao chão seus olhos volvia.
Ai, talhe de onda olorosa,
Ai, guapa e bem-parecida,
Ai, senhora, por quem horas
Na torre pensa e suspira
Quem da terra era senhor,
Porém de uns olhos cativo.
 
- Ai, formosa entre as formosas,
Formosura mais subida,
Ai, rosa entre toda flor,
Quem a púrpura despira
Por vestir
A vosso amor
E fora vassalo um dia,
Sendo o ano inteiro senhor,
E de joelhos vos servira!
Meus burgos à mouraria
Tomados a dez mesquitas,
E meus trinta campeões
Com seis mil lanças em riste,
E escravos negros e mouros,
Pajens e cavalariços,
E a multidão de vassalos
Que nos meus paços assiste,
Por uma palavra vossa,
Por um olhar que assentisse,
A vosso pés depusera,
E que todos vos servissem.
(E a monja, que, recatada,
Os olhos ao céu volvia,
Ao céu seus olhos volvendo
Mais cobiça lhe acendia.)
- Ai, senhora, se por guapa
Éreis há pouco perdida,
Perdida vos heis por olhos
Que me vão queimando a vida!
Acorrei meus homens de armas,
Acorrei pela velida!
Aqui a mais desejada,
Aqui a mais resistida,
Cujo olhos de betume
Enegreceram-me a vida!
(Os homens que são chegados,
Os homens que despedidos.
Da monja que o céu mirava,
Os homens que pressentidos.)
 
Muita rosa esmaecera
Ante o rubor que lhe vinha,
Mas inda aos homens pergunta,
Mas assim os inqueria:
- Mais que a outra dona da terra,
De quantas bem-parecidas,
Por que a mim deseja tanto
Senhor de tal poderio?
- Por vossos olhos, senhora,
(Eis que ao cabo se atreviam)
Por vossos fremosos olhos,
De que há muito anda cativo.
 
- Capitães foram de menos
E lanceiros guarnecidos,
Se por tão pouco desejo
É vosso sendo servido.
Aquele que a alma contempla
E me tem por prometida
Melhor verei na cegueira
Rubra de duas feridas.
Louvado Deus nas alturas,
Louvado Deus, de infinita
Bondade,  e seja na terra
A crueldade servida.
(Aqui, seus olhos arranca
E pelos homens envia.)
 
 
 

   
 


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Darcy Damasceno
Remetido por Anibal Beça
ESCARNINHA
 
 
 

Moça, tuas palavras
São duras - não as mereço.
Calam fundo, e embora eu ouça
Em silêncio tua fala,
Não a esqueço. Mas porém,
Guarda o teu ressentimento,
Não me agraves, pois bem sei
Que desprezo em boca amarga
De mulher que ama, são lágrimas
Secadas no travesseiro.
 
Tua boca, quando ofende,
Compra-te um céu de desprezo,
Compra o gosto de humilhar,
Mas te sabe a sal, se rezas,
E se rezas por me odiar,
Outro céu te hei-de ofertar.
Cala, moça, e desodiando
Espera um dia e outro dia:
Sói orgulho em peito amante
Ser de fraca moradia.   
 


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