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Assis Brasil




Cyro de Mattos

Vida e Poesia



 

Com uma obra consolidada na área da ficção e da poesia, e com fortuna crítica de repercussão nacional, o baiano Cyro de Mattos (nascido em Itabuna em 1939) escapa um pouco da omissão e esquecimento, atributos relevantes em relação aos escritores brasileiros, principalmente os que se insulam em suas províncias. A sua poesia, que tem aparecido através de editoras do Rio de Janeiro e São Paulo – e por causa disso mesmo – tem chamado a atenção das melhores cabeças críticas do país, como é o caso de Fernando Py, Francisco Carvalho, Carlos Nejar, Helena Parente Cunha, Fernando Mendes Viana, entre outros.

Então são seis livros de poesia que ganharam algum espaço e reconhecimento literários, a partir mesmo de 1981 com “Cantiga Grapiúna”, passando pelos “No Lado Azul da Canção” (1984), “Lavrador Inventivo” (1984), “Vinte Poemas do Rio” (1985), “Viagrária” (1988), “A Casa Verde” (1988), culminando a obra poética com este “Cancioneiro do Cacau”, que sob o título de “O Feito do Fruto” obteve o Prêmio Nacional de Poesia Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores, Seção do Rio de Janeiro, para livros inéditos, em 1997. É sem dúvida, este livro de Cyro de Mattos, a culminância e a síntese estética e existencial de sua obra poética, a levar em conta que vida e poesia se unem sempre no ser sensível que é o poeta. E tal postura emblemática fica logo patente através da linguagem que o poeta manipula para viver e criar.

“Cancioneiro do Cacau”, título tão significativo e indicativo de toda a preocupação estética do poeta, o regional e o existencial de braços dados para a grande síntese da criação de uma linguagem suficiente, plena de nuances e recursos expressivos. O livro está dividido em várias partes, “Os Sortilégios”, “As Raízes”, “As Safras”, “Os Bichos”, “As Cidades”, “Os Trabalhos”, “As Imaginações”, “Os Transportes”, “Os Recantos” e “Os Descaminhos”, partes estas que nos levam a sentir as suas “canções de experiências”, de que nos fala William Blake. E é aqui que o regional tem preponderância na obra poética de Cyro de Mattos, em destaque as lembranças já transformadas em linguagem criativa.

Pelos títulos das partes de seu livro, não somente “Os Bichos”, podemos constatar que o poeta se movimenta entre as suas vivências transformadas em linguagem poética, com amplos recursos na área da aliteração e da homofonia, do ritmo e da metáfora visual. Linguagem rica de significações sintáticas, um jogo pendular de imagem e realidade, que fazem deste “Cancioneiro do Cacau” um motivo exemplar do fazer poético. Festa do intelecto, como queria Valéry, e também da sensibilidade, Cyro de Mattos é co-partícipe da vida e da criação, sem o que nenhum escritor realiza o seu projeto estético .

Além da experiência de vida – principalmente a que vem dos longes da infância – a vivência da criação, o que dá ao poeta o conhecimento da técnica do poema. Linguagem que se enriquece nas várias facetas do ritmo e mesmo da rima, como é o caso de seus sonetos, plenamente realizados. Mas o que tem saliência é a adequação das expressões nas várias temáticas que o poeta elege para a sua poesia. Consciente de tal coisa, Cyro de Mattos procura a unidade na diversidade, onde confluem e se reconciliam vida e poesia.

Desde o encantamento da infância, como o de observar a natureza, como no poema “Vaga-lume”, “Vejo as mãos/ catando verdes/ lanterninhas/ nas moitas da infância/ com que emoção/ olhinhos da noite/ quase tontos de sono/ piscando-piscando”, à escatologia da vida, como em “Santa Casa de Misericórdia, “Era preciso um leito/ na última agonia// Para curar e aliviar,/ era preciso um leito/ Monsenhor Moysés Couto/ sem hesitar dizia./ Fez-se a planta/ numa colina./ Canto de um dia novo/ andou na cidadezinha./ Santa casa que clareia,/ santa casa das dores./ Até hoje no leito/ duelam a noite e o dia”.

Da visão lírica à realidade, o sentido social também está presente na poesia de Cyro de Mattos, pois ele toca em algumas feridas existenciais do seu Nordeste, mas é a problemática humana, em visão global, o que assoberba o poeta, e é preciso ler este seu livro devagar, sorvendo aos poucos a beleza de sua linguagem. A atitude do poeta é simples e profunda diante da vida,e seu recado está dado , não só neste cancioneiro mas em toda a sua obra poética, com o adendo, para o leitor curioso e inteligente, de que Cyro de Mattos é também autor de literatura infanto-juvenil bem sucedido e de uma das obras de ficção curta em primeiro plano da literatura brasileira.


Assis Brasil é crítico literário e ficcionista. Autor de mais de cem livros, Publicou, dentre mais de cem livros,, “Beira Rio Beira Vida” e “Os que bebem como cães”, romances, ambos premiados no Concurso Nacional WALMAP.

 




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